Domingo passado, falei de minhas lagartixas, isso, as chamo de minhas, pois assim as sinto. As protejo de qualquer maldade humana e, em troca silenciosa e não sabida, elas protegem a mim e minha casa devorando aos montes bichos que mal poderiam causar, baratas, aranhas perigosas, mosquitos, moscas e pernilongos diurnos e seresteiros de orelha. Contei da casa nova e da operação de resgate na qual as levei todas para nova morada.
Pois então, recentemente, mudei de casa outra vez. Vazia que só, mesmo depois de com capricho e detalhes terminar a arrumação de móveis, e tais. Lá entrava, sentia algo faltando. Sentava num canto olhava, espiava pra tudo que era canto, a sensação ficava colada comigo, chegava a impedir andar tranquilo.
Ao deitar para dormir, a falta de alguma coisa ficava aguda, que nem febre quando abraça. Primeiro, arrepios leves que ganham força, começa um tremor malárico fraco que ganha força até ao sol quente. Depois monta brava em delírio. Era isso que sentia, sem febre ou delírio, mas com tremura.
Não está certo, onde mora esse oco, esse nada em torno?
Sentado, madrugada adentro, olhava parede branca onde dançavam sombras de galhos de árvores. Me dava nó apertado em garrote vil, perdia o sono em tanto pensar. Fui levando sensação despejada até começo de abril, quando, do nada, rebolando no piso liso vem ela, lagartixinha miúda, frágil filhote. Era isso, pensei alto, minhas amigas das paredes, brincando de mudar de cor e estalar queixo. Me faltava o corre-corre pelas paredes, o esconde-esconde entre móveis e quadros, o olhar matreiro, debochado de quem se sabe agradando!
Deitei no chão e me pus a conversar manso com ela. Super assustada. Deve ter vindo da rua ou de algum pedaço de mudança, deve ter vindo ovo, pois era bem novinha. Ocupou a casa, era o que faltava. Se saio e demoro, a primeira coisa ao retorno é procurar a bichinha, não aquieto enquanto não encontro.
Acompanho dia a dia seu crescer. Bem alimentada com a quantidade de pequenos bichos em seu self-service particular, é fácil de notar seu desenvolver. Aedes não falta, e vez ou outra em ato de criança, capturo uma mosca, arranco-lhe as asas e a sirvo em bandeja. Bote certeiro e lá vai para o papo.
Quando está transparente a pego nas mãos e vejo/sinto seu coraçãozinho disparado. Banho. A pego encolhida em canto do box. Quase se afogou no chuveiro. Não sabia que lá estava e muito menos ela ao entrar curiosa. Com jeito para não machucar, tirei, coloquei em local seguro a secar. Cresce assim o terror das baratas e aranhas marrons. Se brincar, fica forte e até escorpião encara. Vou recolher mais algumas na outra casa, pois isolamento faz bem a ninguém. Logo povoam a nova pequena casa.
Muitas das vezes, não é o belo relativizado por nossos padrões que está a nos proteger. Lagartixas, sapos, morcegos, cito alguns. Guardiões da vida como hoje conhecemos, e que teimamos em destruir. São bichos que merecem atenção e proteção, sem eles nossa vida aqui na terra seria ou inviável ou um inferno.
Publicado em 31 de maio Jornal Correio de Uberlândia
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