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Menino novo em uma Belo Horizonte bela e limpa. Nascido e criado no bairro Funcionários, tivemos o privilégio de sermos uma das últimas gerações a ter verdadeira infância de rua. Descer a Afonso Penna de carrinho de rolimã, da praça da ABC até a Tiradentes, lá embaixo esquina com Aimorés, jogar bola, bentialtas (o bete daqui) só que com bola de meia e casinha de graveto em plena Rua Ceará. Vai fazer isso hoje, seriam considerados esportes ultrarradicais, superando o skydive em muito. Tudo era tranquilo não apenas pelo olhar criança, adultos também sorriam sempre. Cara amarrada, no máximo era fome, naqueles dias.
Já aqui contei que pouco serviam portões ou entradas formais, nossas trilhas e ruas eram os muros e galhos. Passávamos de casa em caso subindo em árvores, escalando obstáculos com facilidade felina.
Mas havia uma casa, muro a muro com a minha que era uma aventura, esta sim radical, de entrar. Por coincidência a mais frequentada por nossa turma, ali tínhamos grandes amigos. O muro dava para um imenso quintal pouco cuidado, repleto de bananeiras de qualidades variadas: prata, ourinho, caturra, maçã, era um festival. Tinha também imensos pés de jabuticaba Sabará, mexericas, figos, e até um pé de maçã, que nunca maçã deu. Bananeira tem troco ou caule? Bom, intuitivamente os chamo de falsos troncos. Estes, após terem seus cachos colhidos se amontoavam pelo chão, dando ao lugar um aspecto lúgubre de terra de ninguém, repleta de esconderijos para fantasia infantil povoar. Mas aí nesse lugar sombreado de pouco sol morava uma fera perigosíssima a qual todos temiam, a ponto de com ela ter pesadelos. Os cabelos da nuca arrepiavam só de imaginar tomar carreira dela, o coração batia em descompasso, suávamos frio. E hiperventilação no respirar. Os mais fraquinhos clareavam os lábios de onde sangue fugia, e muitos desmaiavam em pânico.
Esta fera não era nenhum cachorro imenso de latido grosso, nem algum ser fantasmagórico fruto de imaginação coletiva, nenhuma fantasia criada para afugentar incautos ladrões de fruta. Era nada mais, nada menos do que o empinado e rabugento Galo índio de Seo Aristides, que por sinal nem ele, o dono, conquistava respeito e não foi só uma ou duas vezes que teve a camisa rasgada, costas riscadas de fora a fora por mais palmo de esporas afiadas. Isso, o tal quintal também tinha um galinheiro imenso onde reinava absoluto o galo de Seo Aristides.
A maior prova de valentia entre nós era entrar triunfante pelo portão interno do galinheiro vindo do muro, se esgueirando por entre as plantas, se arrastando como cobra, um olho no galo outro no caminho a despistar a fera que ao mínimo barulho levantava a cabeça além do pescoço, a inclinava mineiramente desconfiado de um lado para outro. Não nos notando, mas nos sabendo, batia forte as asas e disparava seu canto ameaçador de “Aqui tem dono!” Grande parte da infância foi um sobressalto entre nós e o galo. Muita gente saiu riscada em encontros desagradáveis, pois quando em vez o galo fugia do terreiro e aí, não tinha quem ficasse de fora. E lá ia Seo Aristides com vara de bambu imensa a tanger o bicho de volta para seu lugar. Colher ovos era outra aventura, mesmo sabendo onde todos os ninhos ficavam por conta do indez que lá repousava, honraria para quem mais ovos trouxesse.
Galo adoeceu – troça da criançada – fim de uma lenda, com o galo se foi nossa infância.
Crescemos para um mundo começando a ficar sem sonhos. Nunca mais encontrei meus amigos.
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