segunda-feira, junho 15

Galinhada

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Nada como uma boa relação patrão/empregado, principalmente na roça onde a lida é bruta. Hora boa para deixar a insatisfação disfarçada aparecer, ou é na derrubada de novilho para tirar os bagos ou na hora de passar gado no tronco, seja por vacina, vermífugo ou curar frieira. Confiando já é temeroso, imagina não. Sei que estes dois se davam bem demais, alem de patrão, parentes. Criados juntos, contrariando música de Milton Nascimento, “Morro velho”; Os laços de amizade se mantiveram fortes mesmo na vida adulta. Um na sede, outro em casa simples, terreiro largo, ajeitada que só.

Dava fim de semana. Era um e os seus almoçando na casa do outro. Conviver sadio de afeição.
Desde moleques, gostavam de mangar um do outro. Sapo em botina, bater chapéu em cachopa de marimbondo só para ver “pizeiro” de cavalo e mergulho em córrego para fugir de bicho enfurecido e venenoso. Afrouxar barrigueira de cavalo para ver arreio rodar, esconder roupa do outro quando de banho em cachoeira. E por aí afora.

Velhos, ainda mantinham saudável bom humor de amigos do peito. Certa feita o patrão amigo e compadre – trocaram batismo de filhos, selando eterna amizade – convidou para almoço em dia não combinado. Lá foram de charrete levantando poeira. Chegando, muita prosa, cerveja, riso, moda de viola e forró pé de serra.

O almoço. Cardápio deixou velhaco esse um. Escargot de entrada, com pinça e tudo mais. Depois fartas porções de Balut, aquele ovo de pata com o embrião quase nascendo, que é cozido e comido “na casca”. Tudo isso e muito mais, fruto das viagens pelo mundão do outro. Trouxe as “iguarias” já tramando sacanagem com o compadre. Na verdade ficaram só os dois à mesa, comadres e filhos estavam tranquilos saboreando bela leitoa pururuca lá na cozinha.

– Ara compadre, quero esses trem não! Isso lá é coisa de comer?
Percebeu a trama. É rir até perder fôlego, entraram de cara para trás na cerveja, passando assim o resto dia.

Tempo passou, a história foi se apagando. Foi quando patrãozinho recebeu recado do afilhado, moleque miúdo canela fina, sempre descalço por querência. Não andava, parecia pé de vento, corria arteiro por todos os cantos. Chegou bufando:
– Padrinho, pai convidou para almoçar amanhã, contou que vai fazer galinhada da pesada.
Recado dado, virou nos calcanhares, deixando o padrinho com mão levantada e frase na goela com resposta.

Dia chegou. Festa, Viola e prosa, manhã passou passarinho.
– Vamos pra mesa compadre?
– Bora, a fome tá assim ó, e você sabe o tanto que gosto de galinhada.

Logo o panelão fumegante saiu do fogão para a mesa. Boca marejou água em fartura. O cheiro do tempero dava para sentir longe. Cachorrada dos vizinhos de quilômetros uivou. Convidado esfomeado atacou primeiro, encheu colher de um arroz bem temperado e lá vieram junto três ou quatro pés de galinha. Cutucou outra ponta da panela, brotaram mais uns tantos pés.
– Uai compadre, mas essa galinhada só tem justo o que eu não como! Só tem pé uai!
– É uma galinhada da pesada compadre, aproveita, reclama não.
Vingança, prato que se come frio, e com muito pé de galinha. Lembrei de Esopo.








Publicado Jornal Correio em 14 de junho de 2015








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