Vivo falando de bichos, sei bem. Como não se deles absorvo energia e a esperança de vida. Tento retribuir de alguma maneira. Não, não os alimento, não faço cevas para o simples apreciar, nada contra, mas penso no dia em que não puder colocar a fruta fresca, a quirera, o miolo de pão. Não quero amor por dependência nem de bicho. Por muito tempo, servi água com néctar para beija-flores, eram dezenas, formatos e cores deslumbrantes, brigavam os grandes com os pequenos colibris que tinha que ser mais ligeiros. Depois vieram as cambacicas e abelhas arapuá.
Um conselho de amigo dos pequenos de penas. Não se aventure a alimentá-los sem orientação de quem conhece, pois a sua maravilhosa ação, repleta de carinho e gosto pelo belo pode ser remédio mortal a eles, se usar açúcar refinado, então, é sentença de morte, diarreias e inflamação de língua os levarão. Sem saber, estará dizimando joias da arca da natureza. Você não notará, pois sempre aparecerão outros no lugar dos perdidos. Prefiro plantar árvore e flores, deixar crescer e dar fruto/flor. Assim, eles virão por vontade própria e irão embora prometendo volta quando comer acabar.
Árvores que plantei muitos anos atrás, hoje são cenário de sinfonia de passarada, meus morcegos bailam em rasantes inofensivos em diários espetáculos noturnos. Uma alegria contagiante de viver. Como a Maude do Harold de “Ensina-me a viver”. Vi o filme em 1971 ou 72, não me lembro bem quando, a sala de cinema da Imprensa Oficial, em Belo Horizonte, se dava ao luxo de passar apenas filmes bons. Hoje, não sei, será que virou templo de igreja como o Cine Pathé na Savassi?
Semana passada, fui rever em adaptação para teatro com Glória Menezes e Arlindo Lopes e grande elenco, sempre quis escrever isso tipo – siga aquele carro! – nos papéis principais. Montagem impecável, dinâmica. Cheguei meio desconfiado, pois conhecendo do cinema queria ver como seria a adaptação para o palco. A tradução de Millôr Fernandes foi a base de tudo, pelo que sei. Pequena dificuldade para a última cena. No cinema, Harold desembesta estrada acima em seu carro fúnebre e o mesmo (o carro) voa em despenhadeiro. Pausa, silêncio, câmara fixa no alto da estrada, de lá me vem um Harold feliz, livre, tocando banjo/presente ao som de Cat Stevens. Aprendeu a viver. Direção e adaptação de João Falcão consegue o efeito com recursos visuais e sonoros. Valeu a pena! E muito.
Sorte dele que não mora no Brasil, pois teria comprado extintor ABC por medo de multa e que, como aquela caixinha de primeiros socorros, lembram, de obrigatório virou acessório. Acessório obrigatório? Como certa feita indagou um irmão meu ao ser abordado sem a tal caixinha na Rodovia dos Inconfidentes.
Ia falar de canto de passarinho, pois hoje, manhã toda, sabiá cantou sem trégua à janela de meu laboratório. Parece que até meus escorpiões estavam mais animados. Todos precisamos de uma Maude na vida, a minha me aparece em forma de bichos, plantas, nuvens, vento – insignificantes para a maioria – para mim? Ensinam-me a viver.
Em Jornal Correio de 27 de setembro de 2015