segunda-feira, setembro 28

Aprendendo a viver





Vivo falando de bichos, sei bem. Como não se deles absorvo energia e a esperança de vida. Tento retribuir de alguma maneira. Não, não os alimento, não faço cevas para o simples apreciar, nada contra, mas penso no dia em que não puder colocar a fruta fresca, a quirera, o miolo de pão. Não quero amor por dependência nem de bicho. Por muito tempo, servi água com néctar para beija-flores, eram dezenas, formatos e cores deslumbrantes, brigavam os grandes com os pequenos colibris que tinha que ser mais ligeiros. Depois vieram as cambacicas e abelhas arapuá.

Um conselho de amigo dos pequenos de penas. Não se aventure a alimentá-los sem orientação de quem conhece, pois a sua maravilhosa ação, repleta de carinho e gosto pelo belo pode ser remédio mortal a eles, se usar açúcar refinado, então, é sentença de morte, diarreias e inflamação de língua os levarão. Sem saber, estará dizimando joias da arca da natureza. Você não notará, pois sempre aparecerão outros no lugar dos perdidos. Prefiro plantar árvore e flores, deixar crescer e dar fruto/flor. Assim, eles virão por vontade própria e irão embora prometendo volta quando comer acabar.



Árvores que plantei muitos anos atrás, hoje são cenário de sinfonia de passarada, meus morcegos bailam em rasantes inofensivos em diários espetáculos noturnos. Uma alegria contagiante de viver. Como a Maude do Harold de “Ensina-me a viver”. Vi o filme em 1971 ou 72, não me lembro bem quando, a sala de cinema da Imprensa Oficial, em Belo Horizonte, se dava ao luxo de passar apenas filmes bons. Hoje, não sei, será que virou templo de igreja como o Cine Pathé na Savassi?

Semana passada, fui rever em adaptação para teatro com Glória Menezes e Arlindo Lopes e grande elenco, sempre quis escrever isso tipo – siga aquele carro! – nos papéis principais. Montagem impecável, dinâmica. Cheguei meio desconfiado, pois conhecendo do cinema queria ver como seria a adaptação para o palco. A tradução de Millôr Fernandes foi a base de tudo, pelo que sei. Pequena dificuldade para a última cena. No cinema, Harold desembesta estrada acima em seu carro fúnebre e o mesmo (o carro) voa em despenhadeiro. Pausa, silêncio, câmara fixa no alto da estrada, de lá me vem um Harold feliz, livre, tocando banjo/presente ao som de Cat Stevens. Aprendeu a viver. Direção e adaptação de João Falcão consegue o efeito com recursos visuais e sonoros. Valeu a pena! E muito.

Sorte dele que não mora no Brasil, pois teria comprado extintor ABC por medo de multa e que, como aquela caixinha de primeiros socorros, lembram, de obrigatório virou acessório. Acessório obrigatório? Como certa feita indagou um irmão meu ao ser abordado sem a tal caixinha na Rodovia dos Inconfidentes.

Ia falar de canto de passarinho, pois hoje, manhã toda, sabiá cantou sem trégua à janela de meu laboratório. Parece que até meus escorpiões estavam mais animados. Todos precisamos de uma Maude na vida, a minha me aparece em forma de bichos, plantas, nuvens, vento – insignificantes para a maioria – para mim? Ensinam-me a viver.






Em Jornal Correio de 27 de setembro de 2015



https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhYW1IaTg4RmZxeHc/view?usp=sharing

segunda-feira, setembro 21

História da mula



Essa história não é minha. Está na boca dos matutos em vendas e botecos nas pequenas vilas, na lida diária na roça, prosa para ajudar passar o tempo no compasso musical de enxada cortando terra. Portanto, se acharem dono me contem créditos e méritos serão dados.

Birra, implicância mesmo tenho de plágio, plagiador é ladrão de ideias. Vivente vazio, parasita de criação. Quero não que me tomem por um. Contar eu conto e pronto.

Seu Zé pensou bem e decidiu que as perdas que sofreu num acidente de trânsito eram sérios o suficiente para levar o outro ao tribunal. O advogado do réu começou a inquirir seu Zé:

– O Senhor não diz na hora do acidente “Estou ótimo”?

Zé responde:

– Conto. Tinha acabado de colocar minha mula favorita na caminhonete…

– Só responda à pergunta: O Senhor não diz na cena do acidente: “Estou ótimo”?

–Bom, coloquei a mula na caminhonete e tava descendo a rodovia…

O advogado interrompe outra vez e atuando nervoso que nem palco de teatro urra enfurecido:

– Meritíssimo, estou tentando estabelecer os fatos. Na cena do acidente, este homem diz ao policial que estava bem. Agora, semanas após o acidente, ele está tentando processar meu cliente. Por favor, poderia dizer a ele que simplesmente responda a pergunta.

Mas, a essa altura, o juiz estava muito interessado na resposta de seu Zé:

– Eu gostaria de ouvir o que ele tem a dizer.

Seu Zé agradeceu e prosseguiu:

– Coloquei a mula na caminhonete e estava descendo a rodovia quando uma picape atravessou o sinal vermelho e bateu na minha bem do lado. Fui lançado fora para lado da rodovia e a mula foi pro outro. Eu tava muito ferido e não podia me mover. Mais eu podia ouvir a mula zurrando em dor. Aí, policial chegou. Ele ouviu a mula sofrendo e foi até onde ela estava. Depois de dar olhada nela, pegou arma e atirou 3 vezes bem no meio dos olhos dela. Então, o policial atravessou a estrada com arma na mão, olhou pra mim e diz:

– Sua mula estava muito mal e eu tive que atirar nela. Como o senhor está se sentindo?

– Aí, eu pensei ligeiro e falei: Tô ótimo! O que o sr. falaria, Meritíssimo?







Jornal Correio 20 de Setembro de 2015




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terça-feira, setembro 15

Ler dói



Ler dói. Bom, acho que deve ser dor lancinante, daquelas tipo pedras nos rins ou na vesícula que surgem do nada, e geralmente à noite, quando não queremos incomodar ninguém e ficamos contando os segundos para clarear e pedir socorro. Aí, como passe de mágica, pedrinha resolve dar o ar da graça e achar o caminho para fora. Já tentou colocar um texto imenso no seu Facebook ou enviar para um grupo via WhatsApp? Vá lá, em um e-mail que seja?

Pode apostar que poucos, pouquíssimos o lerão. Outro dia fiz uma experiência interessante digna de tese de mestrado, não, de doutorado. Claro, não segui normas da ABNT pois ficaria mais difícil ainda e causaria duplo sofrimento em algum provável leitor.

Foi assim: resolvi, para variar, falar de bichos, dos miúdos que nos fazem imperceptível companhia toda a nossa existência e poucos têm um olhar mais atento aos pequeninos e seus mundos fascinantes. Foram dois parágrafos contando a história de uma lagarta verde, deste tamaninho, que desceu flutuando de uma goiabeira em seu quase invisível fio de seda, falei de seu balançar suave como trapezista de circo mambembe, contei de seu contorcionismo ritmado. Parecia bela bailarina de pole dance flutuante. Mágico, levitava.

Descrevi os olhos de uma plateia faminta, não por espetáculo, mas por saborear aquele verde e tenro corpinho. Tordos e pardais a apreciar não arte, mas refeição. Bom, do nada, peguei resenha de jogo Galo contra o Olímpia, aquele de 23 de julho de 2013 e coloquei no texto, totalmente sem contexto.

Para piorar, fechei minha crônica com mão salvadora que, delicadamente, recolheu a pequena lagarta artista/guloseima pelo fio de seda, e levei para longe de sua sinistra plateia. Este texto foi publicado em vários grupos e nas mídias sociais, sabe quantas pessoas questionaram a maluquice? Cinco. Sabe quantos “curtir” o texto recebeu? Setenta e três. Logo, querido leitor, tire suas próprias conclusões.

Vida estressada, falta de paciência ou, pior, falta absoluta de capacidade de simplesmente ler. Estamos vivendo época em que reinam analfabetos funcionais, pois como sempre nos dizia nosso professor de Patologia Wilson Ferreira Lúcio – um mestre da didática e do educar – a interpretação faz parte do texto.

Foi-se, e aqui não tem saudosismo, o tempo dos telegramas – com suas fitinhas de letras coladas. Avançou no visual, tem até fonado! Ultimamente, é mais usado apenas para cruéis demissões em massa de montadoras e grandes indústrias. O romantismo das cartas escritas de próprio punho, aqui tem muito saudosismo, mas muito mesmo, depois conto, também desapareceu.

Então, meu amigo, se quer se comunicar em redes sociais e se saber visto ou lido, mande fotos ou vídeos ou se acostume com a solidão rodeada de milhões de “kkks” e curtidas vazias. Nota do autor, que aliás sou eu: esta é uma crônica de ficção, nada disso aconteceu de fato, mas muito perto da realidade de cadeira posso afirmar.” No mais, Gerais.







Jornal Correio de Uberlândia em  13/09/2015




https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhUTZaMmQwTGRRdG8/view?usp=sharing

terça-feira, setembro 8

Outro Agosto





A última sexta de agosto amanheceu seca, novidade alguma, pois todos os dias deste oitavo mês do ano normalmente são assim, ressequidos, cheirando a vento, poeira e fuligem. Tão normal quanto estúpida, a mão do homem, sempre ele. Contaram que só naquela curta semana foram dezenas de focos de incêndio, alguns gigantescos. A fazenda Tatu ardeu como a velha Roma de um ensandecido Nero ou seria de Vitélio? Só que naquele instante, aqui em nosso Cerrado, no crepitar das chamas e agonia de morte ninguém tocava lira ou compunha ode em louvor a deuses inexistentes. Ali, além do ruído seco da destruição, animais fugiam em pânico, muitos obrigados a deixar para as brasas suas crias. Ação humana hedionda e assassina.

Que não se gosta de árvores, em Uberlândia, é fato constatado. Já diz aqui, árvore boa é na porta do vizinho. Sombra é legal, mas árvore? Quanta “sujeira” né, trabalho de varrer folhas. E os morcegos que horror vão atacar, enrolar nos cabelos das moças. Um perigoso inimigo a usar de árvores para se ocultar e, do nada, avançar de surpresa. Quanta fantasia, quanta falta de informação, quanta burrice.
O vento naquela manhã de terça soprava teimoso, redemoinhos carregavam sacis de um lado para outro em alegres molecagens. Um pouco depois das sete, em trote rápido, subia a ladeira moça nova. Sacis insistiam em desalinhar cabelo dela, levantar sua saia, parecia não se importar. Acompanhava a carreira o filho, talvez irmão, este sério e cabeça baixa para evitar ciscos. Mochila às costas. Perdeu hora para escola. Observei. Aflita chegou ao portão, acompanhou garoto até lá dentro.

Do jeito que chegou virou para trás e, ainda em carreira desceu a rua, vento agora a empurrava, afobação continuava visível, talvez pressa atrasada para trabalho. Sumiu de minhas vistas. Passado alguns longos minutos, lá estava ela semblante triste, com um passar manso de mãos pelos cabelos, seguia emoldurada por janela de ônibus.

Ensimesmado, esqueci vento, sacis, poeira. Como nossa Uberlândia mudou. Outro dia não tão longe assim aqui não havia pressa. O vento de agosto, claro, era o mesmo mas era claro e limpo, não carregava tanta poeira vermelha de campos arados que hoje sufocam em abraço a cidade. O trânsito não agarrava as pessoas, não mudava o humor das gentes.
Corria-se sim, mas atrás da fantástica vontade de viver. Árvores eram plantadas e a cidade, jardim. Lua cheia na praça. Mães ou irmãs talvez avôs que se mantêm jovens e bonitas, felizmente são tantas avós lindas e jovens agora, mesmo na correia de afazeres/tarefas fazem contraste com a cidade que envelhece e se enfeia.

Ainda dá tempo, há salvação. Plante árvores. Anjos disfarçados de passarinhos e floradas exuberantes voltarão com trilhas sonoras e perfume para calçadas e praças. Sombras para namorar, crianças livres.
Sacis alegres continuarão a aprontar, mas temerosos saberão que poderão, a qualquer momento, perderem seus gorros e acabarem em garrafa a servir moleque.
Ainda dá tempo. Feliz 127 anos Uberlândia. Bem-vindo setembro.






terça-feira, setembro 1

Pintos



A agência de notícias Reuters, no dia 24 de julho, me sai com esta manchete: “Pintos de granjas dos EUA são enviados até para Brasil para escapar de gripe aviária”. Li atento a matéria e deu para sentir a preocupação e o desespero dos criadores do Grande Irmão do Norte com a possibilidade de perder preciosa genética das aves. Ali, em cada gota de sangue daquelas poedeiras existem milhões e milhões de dólares em investimento em pesquisa, acertos e erros até atingir o estágio atual. Li que tem pesquisa genética que começou em 1900. Muitas gerações de criadores e de penosas. Os que começaram o trabalho jamais chegariam a ver seus resultados, isso é que é pensar longe.

No que diz respeito à cultura científica, investimento em pesquisa não precisa dizer que nossos irmãos do Norte estão anos luz à nossa frente. Aqui, geralmente matamos a galinha dos ovos de ouro antes que a segunda joia apareça, não por casmurrice, mas por falta de investimentos ou fome.

Mas lendo a tal matéria algumas ideias me vieram à cabeça. Em momentos de crise, dizem os experts, é que temos que ser criativos e superar os temporais. Que tal se, na onda da tal gripe aviária por lá, não fosse boa ideia criar uma rede hoteleira para pintos. Haveria aviões especialmente adaptados para transportá-los, criaríamos a Pintos Air Lines ou simplesmente TransPinto. Pintos na primeira classe receberiam ração balanceada, água mineral Acqua di Cristallo, conhece não? Joga no Google e chora. Para os pintos da classe comercial quirera chips e água Lindóia sem gás. O trajeto seria acompanhado de perto pelo Veterinário de Bordo, cobertorzinhos de cashmere para os chiques e mantinhas simples e piniquentas para os demais.

Ao aqui chegarem teriam recepção de honra com direito a coral de galos e galinhas cantantes. Tapete vermelho para não sujarem os pés em nosso solo pátrio. Risco de contaminação, se não gripe por outras mazelas.

Conduzidos em limusines climatizadas aos barracões Saúde Pura para Aves – SPAs – super luxo onde ficariam até virarem frangotes fortes e resistentes para retornarem ao país de origem. Genética salva e perpetuada. Claro, alguns não voltariam, não que se apaixonassem por alguma franguinha nativa das coxas grossas, poucas penas mostrando corpo escultural e com muito samba no pé, nada disso, afinal aqui é Brasil. Muitos, na calada da noite seriam arrastados de seus poleiros de luxo e acabariam em fundo de panela em bela galinhada geneticamente correta, regada a boas cervejas e cachaça de primeira.
Aí do nada, uma jabuticaba caiu em minha cabeça e acordo assustado de minhas elucubrações, mas feliz por não ser atingido por uma jaca, certo, Monteiro Lobato?






Em Jornal Correio de 30 de agosto de 2015




Pintos