A última sexta de agosto amanheceu seca, novidade alguma, pois todos os dias deste oitavo mês do ano normalmente são assim, ressequidos, cheirando a vento, poeira e fuligem. Tão normal quanto estúpida, a mão do homem, sempre ele. Contaram que só naquela curta semana foram dezenas de focos de incêndio, alguns gigantescos. A fazenda Tatu ardeu como a velha Roma de um ensandecido Nero ou seria de Vitélio? Só que naquele instante, aqui em nosso Cerrado, no crepitar das chamas e agonia de morte ninguém tocava lira ou compunha ode em louvor a deuses inexistentes. Ali, além do ruído seco da destruição, animais fugiam em pânico, muitos obrigados a deixar para as brasas suas crias. Ação humana hedionda e assassina.
Que não se gosta de árvores, em Uberlândia, é fato constatado. Já diz aqui, árvore boa é na porta do vizinho. Sombra é legal, mas árvore? Quanta “sujeira” né, trabalho de varrer folhas. E os morcegos que horror vão atacar, enrolar nos cabelos das moças. Um perigoso inimigo a usar de árvores para se ocultar e, do nada, avançar de surpresa. Quanta fantasia, quanta falta de informação, quanta burrice.
O vento naquela manhã de terça soprava teimoso, redemoinhos carregavam sacis de um lado para outro em alegres molecagens. Um pouco depois das sete, em trote rápido, subia a ladeira moça nova. Sacis insistiam em desalinhar cabelo dela, levantar sua saia, parecia não se importar. Acompanhava a carreira o filho, talvez irmão, este sério e cabeça baixa para evitar ciscos. Mochila às costas. Perdeu hora para escola. Observei. Aflita chegou ao portão, acompanhou garoto até lá dentro.
Do jeito que chegou virou para trás e, ainda em carreira desceu a rua, vento agora a empurrava, afobação continuava visível, talvez pressa atrasada para trabalho. Sumiu de minhas vistas. Passado alguns longos minutos, lá estava ela semblante triste, com um passar manso de mãos pelos cabelos, seguia emoldurada por janela de ônibus.
Ensimesmado, esqueci vento, sacis, poeira. Como nossa Uberlândia mudou. Outro dia não tão longe assim aqui não havia pressa. O vento de agosto, claro, era o mesmo mas era claro e limpo, não carregava tanta poeira vermelha de campos arados que hoje sufocam em abraço a cidade. O trânsito não agarrava as pessoas, não mudava o humor das gentes.
Corria-se sim, mas atrás da fantástica vontade de viver. Árvores eram plantadas e a cidade, jardim. Lua cheia na praça. Mães ou irmãs talvez avôs que se mantêm jovens e bonitas, felizmente são tantas avós lindas e jovens agora, mesmo na correia de afazeres/tarefas fazem contraste com a cidade que envelhece e se enfeia.
Ainda dá tempo, há salvação. Plante árvores. Anjos disfarçados de passarinhos e floradas exuberantes voltarão com trilhas sonoras e perfume para calçadas e praças. Sombras para namorar, crianças livres.
Sacis alegres continuarão a aprontar, mas temerosos saberão que poderão, a qualquer momento, perderem seus gorros e acabarem em garrafa a servir moleque.
Sacis alegres continuarão a aprontar, mas temerosos saberão que poderão, a qualquer momento, perderem seus gorros e acabarem em garrafa a servir moleque.
Ainda dá tempo. Feliz 127 anos Uberlândia. Bem-vindo setembro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário