Ler dói. Bom, acho que deve ser dor lancinante, daquelas tipo pedras nos rins ou na vesícula que surgem do nada, e geralmente à noite, quando não queremos incomodar ninguém e ficamos contando os segundos para clarear e pedir socorro. Aí, como passe de mágica, pedrinha resolve dar o ar da graça e achar o caminho para fora. Já tentou colocar um texto imenso no seu Facebook ou enviar para um grupo via WhatsApp? Vá lá, em um e-mail que seja?
Pode apostar que poucos, pouquíssimos o lerão. Outro dia fiz uma experiência interessante digna de tese de mestrado, não, de doutorado. Claro, não segui normas da ABNT pois ficaria mais difícil ainda e causaria duplo sofrimento em algum provável leitor.
Foi assim: resolvi, para variar, falar de bichos, dos miúdos que nos fazem imperceptível companhia toda a nossa existência e poucos têm um olhar mais atento aos pequeninos e seus mundos fascinantes. Foram dois parágrafos contando a história de uma lagarta verde, deste tamaninho, que desceu flutuando de uma goiabeira em seu quase invisível fio de seda, falei de seu balançar suave como trapezista de circo mambembe, contei de seu contorcionismo ritmado. Parecia bela bailarina de pole dance flutuante. Mágico, levitava.
Descrevi os olhos de uma plateia faminta, não por espetáculo, mas por saborear aquele verde e tenro corpinho. Tordos e pardais a apreciar não arte, mas refeição. Bom, do nada, peguei resenha de jogo Galo contra o Olímpia, aquele de 23 de julho de 2013 e coloquei no texto, totalmente sem contexto.
Para piorar, fechei minha crônica com mão salvadora que, delicadamente, recolheu a pequena lagarta artista/guloseima pelo fio de seda, e levei para longe de sua sinistra plateia. Este texto foi publicado em vários grupos e nas mídias sociais, sabe quantas pessoas questionaram a maluquice? Cinco. Sabe quantos “curtir” o texto recebeu? Setenta e três. Logo, querido leitor, tire suas próprias conclusões.
Vida estressada, falta de paciência ou, pior, falta absoluta de capacidade de simplesmente ler. Estamos vivendo época em que reinam analfabetos funcionais, pois como sempre nos dizia nosso professor de Patologia Wilson Ferreira Lúcio – um mestre da didática e do educar – a interpretação faz parte do texto.
Foi-se, e aqui não tem saudosismo, o tempo dos telegramas – com suas fitinhas de letras coladas. Avançou no visual, tem até fonado! Ultimamente, é mais usado apenas para cruéis demissões em massa de montadoras e grandes indústrias. O romantismo das cartas escritas de próprio punho, aqui tem muito saudosismo, mas muito mesmo, depois conto, também desapareceu.
Então, meu amigo, se quer se comunicar em redes sociais e se saber visto ou lido, mande fotos ou vídeos ou se acostume com a solidão rodeada de milhões de “kkks” e curtidas vazias. Nota do autor, que aliás sou eu: esta é uma crônica de ficção, nada disso aconteceu de fato, mas muito perto da realidade de cadeira posso afirmar.” No mais, Gerais.
Jornal Correio de Uberlândia em 13/09/2015
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