Imagem web
Não sei se já aconteceu com você querido leitor, mas aposto que sim. Sabe aquele dia quando, por mais que você queira, não consegue escrever uma linha sequer? Não, não é meu caso hoje em particular, pelo contrário. As ideias e os estímulos são milhares, assunto não anda faltando. Basta andar pelas ruas de qualquer cidade, ler um jornal ou sentar em um boteco sozinho que seja, pedir uma cerveja, uma garrafa de água mineral e se deixar ficar. Pode ser numa praça também. Os bancos à sombra ou na noturna penumbra são locais perfeitos para armar tocaia. Com olhar e ouvidos atentos, logo captura-se uma ideia, uma história.
Como em toda boa caçada é bom fingir desdém, pois algumas ideias são ariscas, parecem canarinhos rondando arapuca da infância. Mesmo com quirera farta à disposição os danadinhos custam a entrar debaixo da armadilha. Mas é exatamente aí que vive a emoção. O entra não entra, a tensão, a espera.
Melhor do que essa sensação, só o desarmar da armadilha com o bichinho lá dentro e correr para segurá-lo. Um afago na cabeça do apavorado, sentir seu coraçãozinho repicando entre seus dedos e depois de manso abrir a mão, deixá-lo ir embora em voo ligeiro.
Tinha um amigo que arrancava o rabo das avezinhas não apenas para vê-las voarem cotós e de lado, mas para que elas apreendessem a ter medo de arapuca e nunca mais caíssem numa. Não sei se funcionava, mas a verdade é que nunca pegamos um passarinho cotó em nossas caçadas.
Pois, naquele tempo, não havia esse papo de politicamente correto, de vida sustentável, de preservar bicho. E, mesmo assim, sem aulas ou repressão externa, mas por natureza mesmo, não gostávamos de prender, nem de judiar de bicho ou criação. Os de prender eram estrangeiros e que não conseguiriam viver soltos, tipo canário belga ou periquito australiano. Nunca entendi bem essa história de não aprender a viver solto. Será que tem até bicho que nasce com sina de prisão?
Se nunca gostei de prender bicho, com ideias a história era e é outra. Desde muito miúdo, tomei gosto pelo agarrar as escorregadias lembranças que por mim passavam. Na praça, no bar, na venda de beira de estrada, onde quer que eu vá, carrego sempre isca de pegar ideia. Aliás, estou prestes a patentear uma máquina de pegar ideias que inventei para tal.
Tenho de confessar que me inspirei na máquina de esticar horizontes, de Manoel de Barros, uma de suas mais geniais invenções. Está em fase de testes, mas tem me dado bons frutos. O problema é quando as ideias chegam em bando, em alvoroço discreto de bicos-de-lacre, miudinhos e belos. Minha máquina ainda tem o defeito do encanto e isso a distrai a ponto de perder todos os pensamentos. Questão de tempo, aprimoro o instrumento, talvez lhe dando mais portas, mais ouvidos, mais olhos atentos.
Assim, meu amigo, se algum dia se sentir entrevado no escrever, liga não, são ideias que andam pousadas perto. Preste atenção na direção do vento que elas lhe contarão segredos inimagináveis. Relaxe e se deixe ficar. O papel nunca ficará em branco. Bom domingo.
Jornal Correio em 06 de dezembro de 2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário