segunda-feira, dezembro 21

Quintal luz





Noite passada, presenciei deslumbrante espetáculo. No elenco, milhares de atores e figurantes. Fiquei paralisado com tanta beleza. Não havia cortinas para se abrir e o palco era a imensidão. Associar o apoteótico “gran finale” daquele maravilhoso momento aos mais belos espetáculos de luzes do mundo seria pouco, ante a beleza que escorria do ar bem ali à minha frente no meu quase quintal.

Fui nascido e criado sempre junto a grandes quintais. Meu mundo, meus sonhos, minhas descobertas das pequenas e grandes coisas estão visceralmente ligado a eles. Ali não precisava de nada, nem de ninguém, criava um imaginário lugar onde tudo era belo e funcionava. Ali me escondia. Claro, à medida que eu, infelizmente, crescia, os quintais de minha vida ficaram menores. Queria sempre mais espaço.

Aprendi com os habitantes dos quintais ser o que sou. Sapos, pererecas, galinhas, passarinhos milhões, fadas, sacis e outros tantos, me contavam os segredos do mundo. Ali, ávido li milhões de livros. Em dias de Sol, me deixava ficar deitado na grama a olhar nuvens criando formas. Conversava sozinho, me contava histórias e inventava sonhos. Sozinho no quintal, sonhei minha primeira namorada. Era linda. Cabelos loiros, olhos de um azul mineral. E ela gostava de mim. Na verdade, nunca tive uma namorada loira, mas nos meus quintais da vida podia. Depois, adulto, já não sonhava loiras, nem namoradas. Sonhava viagens, sonhava lugares sonhava histórias.

Hoje não tenho mais quintal, mas tenho sonhos. O quintal carrego comigo, como caramujo carrega concha. Como caranguejo eremita assumo posse temporária de algo que não construí.

O quintal a que me referi lá no início não passa de uma área comum de onde atualmente moro. Agradável, mas impessoal. Para minha sorte, parte de meu eu criança me permite muros invisíveis, jardins e árvores imaginárias. Crio meus quintais, minhas veredas, minhas florestas. Mas o espetáculo foi real. Horário de verão tem o grande prazer de atrapalhar quase tudo. Custou a escurecer e meus beija-flores ainda vinham ávidos buscar um último golinho de néctar. Voavam cansados, olhos pesados, mas cadê noite para aquietar?

Pronto, custou mas veio o manto de lua nova. Enfim se fez noite e, como passe de mágica, zilhões de quase estrelas vieram brincar em meu quase quintal. Um esvoaçar de brilhos. Natal luz que nada, meu quintal luz particular. Vaga-lumes brotavam do vazio e se espalhavam a minha volta, em festival de romântico caçar de par. Alguns por engano entravam por minha janela. Corria lá e tratava de colocá-los para fora, onde os feromônios eram mais fortes. O amor literalmente estava no ar. Quanto tal beleza me fazia falta. Senti-me tão vivo.

Fechei com força os olhos e como se recebesse a bênção de centenas de estrelas cadentes, personificadas em cada luzinha daquelas, fiz meu pedido. Vai, vaga-lume, ilumina a noite, meus sonhos, a vida. Corre atrás da eternidade da perpetuação de sua colorida e luminosa espécie. Quem sabe um dia terei novamente quintal de verdade, para com mais pompa recebê-los.











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