segunda-feira, janeiro 11

Toques



Vocês já prestaram atenção na variedade de toques de celular que rolam por ai? Além do previsível e chato som do Whatsapp, cada qual escolhe como quer o toque que mais lhe agrada. Uns mais conservadores se prendem às opções do próprio aparelho e, olha, são muitas. Sons de naves espaciais ou efeitos especiais de cinema, cantos de passarinho mecânico sem graça que só. Foles, sintetizadores e até um que tenta mal e porcamente imitar som de telefone antigo, aquele preto, pesadão, muito usado como arma de crime em filmes de gângsteres.

Mas coming back to the cold cow, como bem traduziu Millôr, é tanta criatividade que chega a ser engraçado. Outro dia em viagem para visitar especial amiga. Felizes com o reencontro, seguimos debaixo de chuva fina para restaurante e colocar prosas em dia. Sem querer, me peguei prestando atenção aos sons de telefones espertos que só naquele delicioso e aconchegante espaço.

Minha amiga que já sabe muito bem como sou, paradoxalmente um atento disperso, se pôs a rir me trazendo de volta ao mundo. Mas ficaram gravados os “trimmmsss” modificados, prontos para o papel.
Lá ouvi muita chamada com som sertanejo, não só a música, mas cantado mesmo. Duplas de universitários, que nunca estudaram, bombando para todo lado. A região da cidade é tipo assim, dada a estes falsetes que, mesmo escutando pouco ou com moderação, como fumo e álcool, fazem mal a saúde. Neste caso, o Ministério da Saúde não avisa, mas deveria. Em alguma mesa, uma sonata de Mozart avisava alguém que a mãe queria lhe falar. Como sei? Ouvi a moça resmungar torcendo o nariz: — O que é dessa vez mãe?

Pois é, ainda tem disso, para cada pessoa uma música. Pouco depois, no aparelho da mesma menina, tocou um Michel Teló aos berros. Bom, acho que dá para imaginar quem estava ligando. Ouvi um “oi beemm”, dos mais melosos.

Ah, as pessoas! Acham que se elas gostam todos têm que gostar, pois não atendem de pronto. Deixam tocar o raio da música todinha e, se possível, até duas vezes e você tem que escutar a torturante seleção musical(?) alheia. Eita suplício! Em algum locais, raros, ouve-se um Led Zeppelin, um solo de Eric Clapton ou um belo blues-rock de Eddie Van Halen. Aí, sim, dá vontade de que a pessoa não atenda nunca. Well, gosto é gosto.

Barra foi caso contado por um amigo. Participando de mesa como mediador em palestra internacional sobre escorpiões, silêncio total. Do nada, toca um telefone na plateia. O toque? Som de transa das “calientes”. Apavorado, o dono do celular não conseguia acertar a tecla de volume e muito menos o desligar. Assim, aquilo ecoou por eternos instantes para susto geral. Todos os olhares se voltaram para canto da sala. Ali, encolhido e vermelho, como peru depois de duas doses fartas de cachaça, pronto para o sacrifício em véspera de Natal, um senhor de meia idade apertava tudo que podia para parar o som. Quanto mais tentava, mais alto ficavam os gritos e sussurros. Nove e meio segundos depois conseguiu.
Não corra riscos, caro amigo. Bote logo um “Jingle Bells” ou música gospel como padrão em seu celular. Se resguarde, custa nada!






Jornal Correio  10 de janeiro de 2016




Toques JC

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