terça-feira, setembro 11

Setembro em cinzas






Em pleno domingo, 2 de setembro, acompanhei tudo sobre o incêndio no Museu Nacional que consumiu grande parte de nossa memória já tão pobre e desprezada. A essa altura do campeonato muito já deve ter rolado, uma semana já se passou e sei que nesse domingo 9 de setembro, dia do Médico Veterinário, quase tudo já foi dito sobre o trágico acontecimento. Me perdoem mas não posso me furtar a tocar no assunto.

Escrevi este meu desabafo no dia seguinte, pois não pude deixar de relatar a estranha dor que me incomoda tanto, como pesadelo a se repetir.

Ontem, dois de setembro, ventou muito e todo o acumulado de agosto foi gasto com força. O vendaval trouxe consigo não apenas pó/poeira, folhas secas em redemoinhos e pânico aos pequeninos emplumados, agarrados a seus ninhos e ao carinho de pais e mães passarinhos.
Vento de setembro espalhou por todo país, por nossas consciências, para nosso horror, cinzas de nossa memória. O Museu Nacional ardeu em chamas. Pedra cantada. Em tristeza acompanhei tudo pelo rádio. Não tive coragem de ver as cenas. Senti-me um pouco culpado, como quase todo brasileiro que sabe o inestimável valor de nossa história, de nossas vidas, do aço que deveria ter nos forjado gente humana.

Esse dia entrará para a triste história do Brasil. Um país que, como está, deveria ser interditado, tamanhas as mazelas assistidas em nosso cada vez mais pobre cotidiano. Um setembro que se propôs amarelo, dedicado à prevenção do suicídio, do nada assassina sua memória, sem dó nem piedade.

Viajo à Alexandria 642 a.C., quando esta foi incendiada pelo governador geral do Egito. A história joga toda culpa da tragédia em um homem só. Porém, de acordo com Ana Freitas, "O declínio da Biblioteca de Alexandria foi gradual e se deveu a algo que, infelizmente, a gente conhece bem: um corte de gastos públicos e burocracia."

O Brasil perdeu seu maior museu de história natural e poucos lastimam. Ando pela cidade e não vejo um grupo sequer comentar a tragédia. O assunto continua: futebol, eleição, dólar e mais futebol.
Penso em perguntar se alguém ouviu contar do incêndio ocorrido na antiga residência real, onde nasceu D. Pedro II, na Quinta da Boa Vista no Rio de Janeiro. Resposta única recebida: "No Rio? Ah, então foi na favela. Aposto que foi guerra entre traficantes!"

Suspiro profundamente. Não sinto vontade de conversar. Memória? Para que lembrar? História? Para que contar? Educação? Para que educar?
Educa e perde-se o cabresto. Senhores de engenho não querem colher sua própria safra.
Ouço ao longe um cantarolar:
Se essa rua/ Se essa rua fosse minha/ Eu mandava/ Eu mandava ladrilhar/ Com pedrinhas/ Com pedrinhas de brilhante/ Para o meu/ Para o meu amor passar.
Estranhamento. Quem em dia tão triste cantaria melancólica canção? Alguém, em algum lugar, externa sua tristeza com a pirotecnia pavorosa, com gentileza e carinho. Saio à rua procurando origem. Acho não.

Literatura (arte & história) seria propagadora da infelicidade, como vaticinou Truffaut em seu Fahrenheit 451, com seus bombeiros do fogo.
O que dizer dos nazistas na Alemanha e do Partido Bolchevique de Lênin e Stalin durante a revolução russa?
A história, sempre ela, a nos lembrar dos absurdos.
Recentemente Cláudia Fusco nos relatou como o Estado Islâmico destruiu o Templo de Baal-Shamin, construído na cidade síria de Palmira, no século II a.C.
Não parou por aí. O Templo de Baalshamin e o Mosteiro de
Mar Elian, construídos há mais de 1500 anos, na cidade síria de Al Qaryatain, também vieram abaixo. E mais algumas dezenas de monumentos entraram na lista destes "libertadores".

Nós não precisamos de grupos religiosos para que nosso patrimônio cultural seja destruído. Temos a infelicidade da destruição oficial, governamental. Somos autosuficientes na matéria.
Importante contar que nas comemorações dos duzentos anos do Museu Nacional nenhum, repito, nenhum ministro de estado se dignou a comparecer. Ato este que deixa claro o que podemos esperar desses senhores do poder.

Outubro teremos eleições e sou obrigado a dizer que não vejo em nenhum candidato à presidência da república a mínima possibilidade de mudança. Estamos reféns de uma política nefasta, egoísta e covarde.
Em dois de setembro de 2018, em um estertor de um moribundo agosto, os céus do Brasil literalmente choraram cinzas de nossa história, de nosso passado, dificultando ainda mais a possibilidade de criar um futuro melhor e mais belo para todos. Eu jogo a toalha, desisto de vez. Que os céus se apiedem de nós, estúpidos humanos.






Publicado em Diário de Uberlândia em 09 de setembro de 2018

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