quarta-feira, abril 26

Dengue


Há vários meses tenho acompanhado opiniões de gente abordando o tema Dengue por esse Brasil a fora. Se é a dengue ou o dengue não vem ao caso, pois como bem disse certa feita, há anos e anos atrás, um antigo colega de trabalho: melhor seria  the  dengue – assim pelo menos esta polêmica estaria resolvida.

Entre tantos comentários enviados a jornais, revistas, e matérias de televisão e rádio, alguns em particular me despertaram especial atenção, é a partir deles que gostaria de colocar minha colher de pau nessa prosa sem fim. Gostaria de falar aqui como especialista em saúde coletiva, na prática e na gramática, afinal são quase 24 anos dedicados a esse ofício, que ainda é mais conhecido como saúde pública.

Então vamos lá, ou como diria o amigo e ex-secretário municipal de saúde de Uberlândia,
Dr. Paulo Salomão: "Vamos comer o boi aos bifes".

A maioria das pessoas usa termos como "erradicação", “guerra”, “combate”, "ataque" quando se referem a doenças endêmicas. Estes termos remontam aos tempos de chumbo e da extinta e militarizada SUCAM, eficaz na maioria das vezes graças quase sempre aos seus valorosos “guardas” ou “malárias” como eram chamados, porém esta instituição era historicamente centralizadora e não admitia dividir estratégias nem informação – portanto inviável nos dias atuais. Deixou saudades? Tenho minhas dúvidas. Os termos adequados seriam “controle” e “manejo”.

Um eterno questionamento diz respeito à eficácia dos venenos utilizados pelos "fumacês" e sua aplicação, e quem sempre quem paga o pato são as prefeituras. Aqui cabe esclarecer que esta atribuição é do Ministério da Saúde e dos órgãos de saúde dos estados, não dos municípios uma vez que a normatização de técnicas e uso de produtos (leia-se sempre venenos) a eles pertence, cabendo ao município acatá-las, sob o risco de até perder recursos. Ditatorial? Injustificável? Concordo, mas é lei.

Outrossim o uso do "fumacê" é restrito a situações especiais, tecnicamente definidas, afinal está se jogando veneno nas ruas e milhões de outros bichos inofensivos e importantes para o ecossitema também irão morrer.
Outro dia li a sugestão de um cidadão sobre o uso do helicóptero da polícia para localizar caixas d'água destampadas. A ele pergunto: faz idéia do custo de uma hora de vôo de helicóptero? Garanto que se mais este recurso fosse disponibilizado para as Secretarias Municipais de Saúde ele seria muito mais racionalmente aplicado no controle da doença. Além do mais nossa nobre e corajosa polícia já tem afazeres demais numa sociedade como a nossa, concordam?


A repetitiva e cansativa história de que a população não tem informação suficiente foi a tônica um outro comentário. Particularmente não acredito que a população seja desinformada em relação à dengue, a mídia nos bombardeia sem parar todo dia e toda hora - dengue é assunto nacional permanente. Façamos uma pesquisa em qualquer lugar, garanto que 99% das pessoas abordadas, de mamando a caducando, sabem muito bem como evitar a proliferação do mosquito, só não o fazem! É cultural, simples assim, o problema é que mudanças de comportamentos, de postura, levam gerações! E olha que algumas já se passaram desde o surgimento da dengue no país.

Um outro recomenda mão de ferro e a utilização das multas, onde, vejam só, os mosquitos forem "encontrados".Multar os donos de imóveis onde o “mosquito for encontrado” seria multar todo mundo, pois um bom pé de vento espalha o bicho para longe e para todos os lados. Não seria mais adequada uma ação intensificada onde fossem encontrados criadouros persistentes? Inclusive com a aplicação de multas para os casos onde soluções não fossem tomadas?

Uma bem-intencionada sugestão apresentada foi a de se criar a obrigatoriedade de murar terrenos baldios. Minha opinião:

Murar terreno é esconder problema.
Rima rica, mas que se explica.

Justifico, experiência própria: alguns continuarão a jogar lixo por cima dos muros, e criadouros de tudo quanto há ficarão escondidos dos agentes de saúde, que impossibilitados até por força de lei a adentrar locais fechados, não terão chance alguma de evitar que, aí sim, se espalhem incólumes pragas piores do que aquelas sete apocalípticas.


Saudável e bom debate, que através dele possamos contribuir para a construção de um país melhor, mais agradável e mais tranqüilo de se viver.


William H. Stutz
Médico Veterinário Sanitarista
Uberlândia - Minas Gerais
Abril - 2006

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