segunda-feira, outubro 8

Mídia e poder

Uma admirável crônica do amigo e fabuloso médico Thogo originalmente publicado no Jornal Correio - impossível não republicar aqui, leiam, deliciem-se, como vale a pena, em um e-mail de forma brilhantemente poética assim se expressou sobre o mesmo:
" Acho que a gente pigarreia muito e escarra pouco. De vez em quando, permito-me escarrar, vomitar alguns nós e sapos que nos vão metendo goela abaixo."
Faço minhas suas palavras querido amigo e obrigado pela autorização de publicar aqui tão rico e pertinente texto.


Não é fácil avaliar a qualidade de um administrador público. Nem por isso, devemos nos omitir dessa função como cidadãos. Elogios, sinceros ou não, e críticas ácidas quando não injustas fazem parte desse tenebroso jogo de interesses que, de alguma forma, deve valer a pena. Perigosamente, a nossa avaliação crítica submete-se a um instrumento fundamental à democracia ou, quando distanciado de sua função, uma arma mortal contra a cidadania. Sim, é da imprensa (ou mídia, para não ser corrigido) que falo.

Quando atuante, desnuda anseios e indignações agindo como interlocutor e representante da população. Quando silenciosa, deixa-nos órfãos e mudos, menos cidadãos. Tornando-se parcial, fere mortalmente qualquer projeto democrático. O remédio vira veneno e, envenenada, perece nossa esperança. Temos uma mídia cujo silêncio só é interrompido por informes oficiais disfarçados em notícias, avaliações parciais ou pela abundante publicidade paga, para não falar da dependência sem-vergonha ao noticiário sobre a violência ou da comodidade das notícias "chupadas" na internet.

Grande parte do financiamento provém do mesmo poder público que ela deveria investigar, questionar e fiscalizar. Surpreende a legalidade imoral de ter representantes do legislativo à frente, ou atrás, de veículos de comunicação. É difícil acreditar que não haja críticas porque não há o que corrigir.

Já o poder executivo opta, como esperado, pelas realizações que só podem ser elogiadas. É uma enxurrada de direitos atendidos, o que certamente só pode ser digno de aplausos. É boa a sensação de que o gordo orçamento de nossa cidade tem sido bem aplicado e que, aparentemente, estamos distantes dos grandes escândalos nacionais. Mas a ingrata vida do dirigente obriga-o a corrigir desvios que nos afastem da sobrevivência minimamente civilizada. A falta de punição às transgressões alimenta o nosso trânsito caótico, os abusos da publicidade, a transformação das ruas do centro em grandes lixões, o comércio ilegal, a violência e muito mais.

O preço é alto, mas a mão que afaga, garantindo votos, é a mão que torna impopular ao exigir o cumprimento da lei. É aí que o executivo-político elege, às vistas grossas, o abandono a sanções, limites e punições, dedicando-se exclusivamente à entrega de benefícios. O cúmulo é ver o poder executivo obrigado a exercer ações necessárias, mas impopulares, como agora faz o Ministério Público em relação aos outdoors, inexplicavelmente a única forma de publicidade questionada por emporcalhar a cidade. Que a inesperada exceção paulistana, com o prefeito Kassab irrompendo contra abusos e crimes já institucionalizados, seja luz no fim do túnel, ou numa via de duas mãos nas quais transitem, em igualdade de importância, direitos e deveres. Pode não ser a forma mais eficiente de garantir reeleições, mas certamente é a única maneira de garantirmos a evolução da nossa sociedade.

Thogo Lemos
Médico — Uberlândia - MG -
E-mail: thogolemos@uol.com.br

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