Nosso planeta anda agitado, nervoso. Também não é para menos, humanos roem até as entranhas da madre terra, a intoxicam com seus restos, depilam sua pele, ferem e escavam sua frágil carne. Resultado de tamanho aborrecimento só poderia ser mesmo uma grande náusea planetária acompanhada de severo desconforto e, claro, convulsões. Recentemente gigantescos tremores abalaram regiões várias causando morte e destruição. Tristeza e sofrimento.
As incontáveis manifestações desse mau humor mundo afora, sempre longe daqui, estavam bem perto de acabar. O mito de que estamos fincados sobre a segurança de firme placa tectônica estava prestes a, sem trocadilho, cair por terra. Pois não é que, em certa ensolarada manhã de feriadão, o Centro de Advertência para Tsunamis emitiu alerta de chegada de ondas gigantes ao litoral brasileiro, mais especificamente à costa da Bahia!
Dizia o alerta que um tremor, bom, na verdade um chilique, teria sido detectado em região próxima ao pré-sal baiano e que em coisa de horas chegaria às mesmas praias onde um dia Cabral desembarcou. Anúncio dado e divulgado, as providências começam a ser imediatamente tomadas, em ritmo de pressa baiana, é claro. Os trios elétricos foram convocados a percorrer a orla solicitando a imediata evacuação das praias diante do perigo iminente. Os potentes carros e seus milhões de Watts iam e vinham a gritar ao povo as más novas.
Cansados de tanto pronunciarem o truncado e pouco sonoro Tsunami, de súbito, como em um passe de mágica, que poderia bem ser explicado por Rupert Sheldrake e seus campos morfogenéticos, todos, sem exceção, passaram a chamar as superondas pelo carinhoso apelido de Nami.
— Moço, moça, sai da praia, Nami vem aí – tremia a caixa de som.
— Recolhe a esteira meu rei, coisa de Nami. Vem logo minha rainha, veste a canga, sobe aqui.
Multidão curiosa foi se formando em toda orla na expectativa de presenciar o raro fenômeno. Logo, linha longa se formou de canto a outro. No horizonte surgiu aquele risco, a maré puxou um pouco para trás deixando praias mais largas e a areia mais branca ainda. Era o sinal. Os trios elétricos se calaram, a multidão em silêncio e perplexa observa aquela que mais parecia serpente marinha imensa que se aproximava lenta, roliça. Alguns se puseram a rezar e evocar seus santos sincréticos: São Jorge/Ogum, Santa Bárbara/Iansã, São João/Xangô, nos valei.
Mas a demora da chegada de tão esperada onda e sua visão no horizonte foi logo entediando a multidão. Logo um acorde de cavaquinho elétrico cortou o silêncio. Um casal se beijou furiosamente. Pronto! Virou carnaval, virou encontro de trios. A Praça Castro Alves era hoje beira-mar. E a onda chegando. Horas e horas de folia até que um sentinela solitário deu grito que calou o som eletrônico:
— Olha Nami, Nami chegou! Em movimento contrário ao bom senso correram todos, mas para a areia ao encontro da esperada novidade. Para espanto geral, o que veio bater na praia não foi propriamente uma onda, mas sim uma marolinha à toa. Chegou mansa, quase se espreguiçando e abrindo bocejo.
Palmo de altura, sem barulho ou confusão, bem discreta, em um ai-ai de canseira e debruçou em seu destino final molhando a canela de milhões. Foi aplaudida de pé! Assim, e aqui em terras baianas Nami descansou e a festa recomeçou. Pelo que se sabe nunca mais parou. Iemanjá protege mesmo a Bahia, não sabe? Você já foi lá?
Não? Então, vá.
No Ponto de Vista do Jornal Correio