segunda-feira, maio 7

Diário de Viagem


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Beira de pasto, dia abrasador, à distância recém-conhecida Morada do Sol. O que me impressiona é a cordialidade das pessoas e a fartura, a generosidade da terra. Não há quintal sem pimentas várias: malaguetinhas, redondas bodes, cores e formatos diferentes, muitas.

Frutas o que há: carambolas, tamarindos, cajueiros, mexerica enredeira/corriqueira, maracujá a cobrir o todo. Árvores centenárias. Mangueiras, largos e viçosos troncos, vestidas de musgo verde-aveludado, jabuticabeiras, cajás-manga. Apesar da aparente pobreza, o sorriso é fácil e sincero. Em todo canto galinhas de canelas secas. Pilhas infindáveis de telhas de barro antigas, provavelmente vindas de roça distante, aguardam anos a fio serventia outra vez.
Vem não, ficam assim largadas sem nada a cobrir.

Ali bamburramos, é por elas que começa sempre nosso trabalho, é lá que se encontram nossos escorpiões.

Vingança das telhas pelo abandono? Criam, albergam e protegem escorpiões. Centenas. Sol escaldante, as costas logo doem, o suor encharca rosto e roupa, tudo magicamente desaparece, some. Olhares apenas para o fazer, começa nossa caçada. Pé-de-vento, sombra e tento, do miúdo vermelho olho preto. As folhas dos bacuris fazem chover em céu sem nuvens, o barulho da chuva é eterno. Expedição de trabalho em algum lugar Minas afora. Ao fundo sempre brejo, os quintais seguem mata adentro, são infinitos.

As acerolas intrusas decoram de vermelho os mandiocais, sempre carregadas, sem pragas a fazer frente, seguem em doce azeda fartura, ao lado tapetes rosados sob espinhentas paineiras parecem esperar procissão da paixão santa. Sento cansado à sombra de imensa ameixeira. Aqui tudo é superlativo. Retomo o fôlego.

Fogo-apagou pia mansa. Bandos e mais bandos de tucanos, canários da terra, saíras de mil cores. Saracuras: os potes, sempre três. Magnólias floridas perfumam um Brasil colonial. Felizmente o tempo, aqui parou. As casas construídas ao acaso, adobe, tijolo novo, telha comum. Madeira lavrada, outra roliça, bruta. Mistura do que se tem. Faz-se. No escuro da casa devagar se acostuma a vista. Janelas sempre fechadas, a luz fica lá fora. Escuro sem tristeza. Quadros nas paredes irregulares enfeitam. Fotos retocadas à mão, molduras redondas. Os portais baixos obrigam reverência. Abaixa-se para transpô-los, sempre em respeitoso silêncio: - Dá licença?

O fogão de lenha sempre aceso - seus cheiros atiçam cedo a fome. Na varanda do fundo a água dos batedouros corre quintal abaixo. Os patos se fartam no lodo. O rego é ladeado de taiobas. Longa e pesada semana. Os escorpiões são muitos, centenas. Prática de uma vida. Aqui se busca, se aprende os mistérios de tão antiga e bem-sucedida sobrevivência. Voltando, tentamos aplicar o que a terra nos ensina calada. Expedições pelo Brasil, um repassar do pouco saber, nosso trabalho.
Adorava o que fazia, saudade doída.


 


Publicado em Diário de Uberlândia em 06 de maio 2018

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