segunda-feira, maio 14

Improviso




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Antes de perguntar conto um fato acontecido, de fato. Convém lembrar que a chance do “jeitinho brasileiro” dar certo, por certo vai dar merda. Escute o que conto.
Não, não estou a repetir palavras por falta de vocabulário. Tenho por mania buscar sonoridade canora quando escrevo, pois sinto o escrever como composição musical. Mania e não improviso.

Quem se deliciou com o“Tigre e a Neve” dirigido pelo genial Roberto Benigni e estrelado por ele e Nicoletta Braschi, percebe que o improviso ali deu certo sempre, ma prego, são tutti buona gente italiana e no mais é filme. Ainda assim convém lembrar do triste final de “A vida é bela”, com o mesmo Benigni. Ali morava um improviso, Toscano na verdade, mas presente.

O contar: Fim de semana em fazenda de compadres. Lá pelas tantas o compadre sugere um passeio de lancha. Não uma lancha qualquer. Refiro-me a uma super marítima, gigante, com cabine, sonar e tudo mais. Faltava uma coisa só. Marcador de combustível. Bom, havia um. Era um cabo de vassoura com riscos a canivete, por meio dos quais se adivinhava mais ou menos quanto tinha no tanque. Toca a andar. Não foi nada não, quando deu na barra do Tejuco, no meio da represa, apagou geral. Breve resumo: saímos lá pelas 10 da manhã e só conseguimos voltar à fazenda na volta da meia noite. Não me alongo por conta do espaço, mas prometo a história com detalhes para breve.

Aí, agora pergunto, diante do acontecido, já sabendo resposta. Quem nunca passou por situação de ter que improvisar? Surpresas do inesperado em que se tem que dar um jeito. Seja no trabalho, nas relações pessoais, cotidiano mesmo. Assim, no repente, se vira rapaz, a bola não pode cair.
Você está andando na rua e do nada aparece um microfone quase dentro de sua boca:
- O quê o senhor acha do aumento do combustível de jato supersônico?
- Qual sua opinião sobre o aquecimento global na salinidade do mar e conseqüentemente na menopausa das baleias jubarte?

Você está tranqüilo no teatro, a peça acaba e alguém lá do palco resolve escolher uma pessoa da platéia para falar sobre as emoções que sentira durante o espetáculo. Advinha onde o spot clareia? Exatamente, em pleno brilho de fogo-fátuo! Logo você, que entediado dormiu quase o tempo todo. Ah! E tem a chata da moça a seu lado, que toda empolgada te agarra pelo braço e te coloca bem no meio do palco, batendo palmas, animando a todos. Ela foge pela coxia e você fica lá.
Balbucia um terrível improviso e sai de fininho amaldiçoando a hora em que resolveu acordar naquele dia.
Improviso não pode dar certo.

Lembrei de história muito contada do bebum que, sem norte, entrou em uma igreja e foi sentar-se na primeira fileira, bem diante do padre. Era hora da homilia. Atento, bom, na medida do porre, prestava atenção. O padre falava da passagem em que Madalena fora salva do apedrejamento. Na empolgação comum aos sacerdotes recém-ordenados, abriu os braços e teatralmente exclamou:
-“Aquele que nunca errou que atire a primeira pedra!”
O bebum olhou para um lado, olhou para o outro e não encontrando pedra, arrancou a velha botina jogando-a com força total, acertando o peito do padre em cheio. Este, assustado, caiu de costas com o impacto e com olhos de espanto perguntou:
- Meu filho, você nunca errou!?
- Dessa distância não seu padre!

Pronto. Puro improviso. Não tem pedra, caça com botina mesmo. Óbvio que não poderia dar certo.
Certa feita, dia de meu aniversário, resolvi não avisar ninguém e não fazer comemoração alguma. Tinha em casa uma dúzia de latinhas de cerveja fora da geladeira, um bolinho de padaria de meio quilo para comemorar com meus filhos, uma vela a assoprar e só.
Nem te conto. Quando deu na volta das dez da noite, parecia procissão de carros a chegar. A turma saiu de um casamento em igreja onde festa não haveria e alguém teve o lampejo de meu aniversário. Toca todo mundo pra minha casa. Não sabia o que fazer. Aflição tomou conta, a começar pelo tamanho da casa, que não iria caber aquele mundaréu de gente.

Mesmo na carreira a pedir desculpas, adiantou não. Um pegou as cervejas colocando-as no freezer e logo, ainda mornas, as dividiu em copos da Cica, dando meio copo para cada um. O bolo magicamente foi dividido, não sem antes um sonoro cantar de parabéns. Abraços fraternos e foram todos embora. Emocionante demonstração de amizade, mas a “festa” de improviso, fiasco total.
Se você for um Eric Clapton, um B. B. King, astro do jazz, da guitarra ou outro instrumento qualquer, pode até ser. Mas na vida real tenho que concordar com um amigo, que outro dia com convicção e acertiva nos disse:
A única coisa que tem que funcionar de improviso mesmo é velório.
Sai fora!






Publicado em Diário de Uberlândia em 13 de maio de 2018




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