quarta-feira, outubro 11

O trecho - terceiro ato

A vila tinha também seu Pedro Talarico, auto-intitulado oficial da madeira. Italiano, olhos azuis sumindo pela idade, fez maravilhas de bancos, cantoneiras e cadeiras para nós usando apenas ferramentas primitivas, quase todas por ele mesmo criadas.

Diz que inventou a mesa com parte giratória no centro. E inventou mesmo, dono dos créditos, mesmo atrasado alguns anos, nunca tinha visto uma, pois seja e é verdade — é dono da idéia. Desmente? Não tem jeito. Melquíedes de uma Macondo mineira. Cigano.

Um pouco abaixo, no mesmo corredor de gado onde morávamos tem seu José casqueiro, — isso, casqueiro de descascar postes para cerca. No machado e facão. Ambientalista sem saber. Batia firme contra cana e capim “vamos comer o quê” suspirava, mas irritado com tanto pasto e cultura. Letrado de uma leitura só, tinha sempre consigo uma revista velha, de 1945 que falava da guerra, da bomba, ele acreditava que era ontem.

Na vila tem simpatia para desvesgar os olhos. Simples.
Num pilão acende vela, pega a cabeça da infeliz criança e soca lá dentro. Segura o esperneio, gritaria e choro. Pura maldade, tortura. Adianta falar que não funciona? Usávamos o pecado. Às vezes, mãe ou outra parava com medo do fogo eterno. Ignorância.

Luz elétrica era pouca e rara, uma fase só. As raras lâmpadas de poste eram de cor avermelhada. Acrescentavam penumbra à escuridão. Criavam fantasmas, lendas e superstição. O breu total era mais seguro.

Mas tinha sempre as estrelas, a lua. E claro, as mágicas luzes, misteriosas e lindas e é delas que ainda vou falar.

Televisão tinha em poucas casas. Na nossa quando tentávamos era um aranzé: “aponta a antena para Jales, chuvisco, aponta para Paranaíba, mais chuvisco”.

Às vezes, raras, debaixo do lençol, apertando os olhos via imagem. Confusa mas via, mas sem eira nem beira, som não havia. Desistimos para sempre, era mesmo só chuvisco.

A geladeira virou armário de livros, trocamos o motor por um outro velho, velho, imenso, trocou-se o gás. O chinês curioso. Sabe, virou nadiquinha de nada — para provar uma compra gelada, era só de mês em quando — mês mesmo pois raro íamos a uma cidade. Quando acontecia era empanturro de iogurte, presunto, sorvete. Mas tinha que comer tudo lá, pois guardar aonde? Era assim.


Mas tinha as luzes, as luzes, chego lá.

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