quinta-feira, junho 16

TeleNutrição



Com frequência às vezes irritante, os programas de televisão abordam tema delicado e importante: alimentação. Raro o dia em que não aparece uma nutricionista. Difícil ver um homem, são sempre elas a nos dar conselhos sobre o que devemos ou não comer, quantas refeições a fazer por dia, o que nos faz bem e o que nos faz mal.

Cada dia surgem cardápios cada vez mais variados com ingredientes comuns aos nossos ouvidos por ouvir falar, mas totalmente estranhos ao nosso paladar, olfato e bolso.

Desde apresentadores de televisão domingueiros a “reprogramar” o corpo à senhora e papagaio a recitar receitas aparentemente saborosas, mas cujos ingredientes só são encontrados em armazéns de luxo, butiques de temperos de capitais, feiras livres ou em marchés, como a Marché couvert des Enfants Rouges, a mais antiga feira coberta de Paris.

Nomes como curry, garam massala, cardamomo parecem, para a grande maioria de nós, mais personagens de mangás ou quadrinhos japoneses do que coisa para se colocar em saladas, sopas ou carnes. Estes estão léguas de distância do sal, alho, cebola, Tio Joel e Cláudio vão me esconjurar por conta dessa cebola, e pimenta de cada dia da imensa maioria de brasileiras e brasileiros telespectadores.

Apresentadas as receitas e seus extraterrestres ingredientes, em flash nos atiram em algum supermercado ou mercadão onde a nutricionista do alto de seu perfeito manequim 38 ou menos, mais culpa ainda para nós, passa a dar dicas das vantagens e desvantagens de coisas e tais. E aí vem um rosário de mágicas propriedades terapêuticas, de temperos que nunca ouvimos falar: o afrodisíaco durião, a guaiabila riquíssima em vitamina C, o mangostão, que é a maior fonte de xantonas conhecida. Xantonas? Explico, pois como diriam Dani e Bento do Furo MTV: “você não pode dormir sem saber” que xantonas são importantes fitonutrinentes com poderosas propriedades. Todas possuem a mesma estrutura central. Seis átomos de carbono conjugados com múltiplas ligações, que as tornam mais estáveis. Viu como é simples? E pela descrição de bula de remédio deve fazer um bem danado. Tá tudo no Google.

É mais do que óbvio que não sou contra nutricionistas de televisão nem de suas entrevistas sofisticadas.
O foco é que poderia mudar de quando em vez. Falar mais da vantagem do maxixe, da taioba, do jiló, da abobrinha batidinha ou da pimenta bode.

Será que para fazer bem tem que ter nome de nobre e ser caro? Claro que não e sabemos disso. O curioso é que o personagem que mais explorou nossas riquezas gastronômicas e suas vantagens nutricionais e terapêuticas foi um chef francês. Vai entender!

Por outro lado, reverencio as e os profissionais da nutrição que fazem das tripas coração para elaborar cardápios saudáveis para escolas públicas, creches, idosos e enfermos, tendo como ingredientes apenas ou principalmente o regional, o que está ao alcance no sacolão popular mais próximo. Alquimistas da verdadeira saúde alimentar.
E tem gente que gosta de ração humana.

Enquanto isso:
— Maria cadê a fruta do café da manhã que a moça da televisão mandou comer?
— Uai Zé, até parece que esqueceu que não é tempo de manga e goiaba! No quintal hoje só tem jurubeba e tomate tapera, serve?

Somos o que comemos, não é assim? Então desce um PF com bastante arroz, feijão, bife e fritas. Se der, um ovinho de gema mole por cima cai bem. Está servido?






Publicado no Jornal Correio em 16/06/2011




2 comentários:

Maria disse...

Bem verdade.
Adoro cozinhar, mas há tempos desisti de tais programas de tv. A gota d'água foi no dia em que a senhora apresentadora colocou cártamo(que??onde??) na comida.

Receita de felicidade: Ovo de gema mole acompanhado de uma fatia de pão caseiro. ^^

william h stutz disse...

Pão com ovo! Tudo de bom. E às 9 da manhã, trabalhando... já bateu fome