"Se for falar mal de mim me chame, sei coisas horríveis a meu respeito" (Clarice Lispector)
segunda-feira, fevereiro 2
Sombra
Fotos: william h stutz
Cada dia que passa mais me assusta a falta de árvores em nossa cidade. Falei disso outro dia, acho. Minha memória anda cozida pelo calor de um janeiro atípico onde chuva que tão comum e esperada insiste em não aparecer. A última foi aquela acompanhada de muito vento e granizo, que além de estragos normais, fez a alegria de muita gente.
Hoje em dia é redundante dizer que está de cabeça quente. Se você chegou da rua, não estava usando chapéu ou sombrinha, cabeça quente está.
É só dar uma volta pela cidade e contar a quantidade de árvores que desapareceram.
Sem árvore, sem sombra. E o estranho é que na maioria das vezes, aquele que se aperta, rasteja atrás de salvador e fresco lugar fora do sol é o mesmo que irritado com as folhas que sujam seu passeio, seu quintal, seu canteiro, as condenam à morte sem aviso prévio. Chegam na cara dura e pronto, cortam sem dó nem piedade.
Outro dia, um domingo, deparei com cena inusitada. Saindo da academia, me dou em meio a pátio gigantesco de asfalto. Como era cedo, poucos lá estavam estacionados.
No meio deste pasto de betume e areia, uma pequena e torta árvore poupada suava seiva para sobreviver. Sob sua generosa sombra – apesar de mínima – quatro carros se apertavam como vacas holandesas a se proteger do sol de cedo, mas já esturricante, daqueles de rachar mamona. No resto do estacionamento fechado em negrume e exalando calor, uma ou outra árvore pingada, sempre com um carro a seguir esguia e fraca sombra.
Um lugar que dá preferência a carros em vez de árvores. Tão comum em nossa cidade que chega a me dar medo. Pois a vida vibraria agregada ao plantio de belas e frondosas Damas de Verde, com toda certeza atrairiam muito mais gente e até passarinho.
Por que não transformar estes espaços em belos parques arborizados? Qualquer shopping que assim fizer só tem a ganhar. Ah, mas aí caberia menos carros –argumentaria o senhor de charuto na boca, pés sobre mesa de jacarandá e sala climatizada em condicionado a 16-17 graus.
Meu senhor, menos carro pode não significar menos gente, menos consumidores.
Lembre-se que estamos aprendendo a usar transporte coletivo, aprendendo a andar com os próprios pés em belas e saudáveis caminhadas. Este público se sentiria compelido por força invisível e saudável a buscar local belo e arborizado; do descanso a entrar em seus templos de consumo seria um pulo. Pensem nisso.
Plantem que eles virão, passarinhos, sombras e até as gentes. Contribuam com vida para a nossa cidade. Todo ser vivente agradecerá. E o senhor do charuto ficará mais rico e talvez, com consciência mais leve.
Cientistas, políticos, palpiteiros de plantão, todos têm uma explicação na ponta da língua para a falta de chuva por nossas bandas. Mas em um ponto todos eles concordam: o desmatamento urbano também contribui para as duras mudanças em nosso clima.
Ou tomamos uma atitude já ou estamos fadados às lamúrias e às torneiras secas. De líquido só lágrimas, algumas de tristeza, algumas de arrependimentos, mas muitas e principalmente as de crocodilo.
No mais Gerais, se ainda der tempo.
Publicado Jornal Correio em 1º de Fevereiro de 2015
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Um comentário:
Bem isso. Sem árvores, sem proteção de mananciais e com excesso de concreto não podemos esperar nada melhor. Sempre fiquei impressionada com o fato das pessoas considerarem folhas, galhos e restos vegetais como lixo.
Um abraço.
:)
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