quarta-feira, maio 2

Um diário de viagem


Beira de pasto, dia abrasador, à distância recém-conhecida Morada do Sol. O que me impressiona é a cordialidade das pessoas e a fartura, a generosidade da terra. Não há quintal sem pimentas várias: malaguetinhas, redondas bodes,cores e formatos diferentes, muitas. Frutas o que há: carambolas, tamarindos,cajueiros, mexerica enredeira/corriqueira, maracujá a cobrir o todo. Árvores centenárias. Mangueiras, largos e viçosos troncos, vestidas de musgo verde-aveludado, jabuticabeiras, cajás-manga. Apesar da aparente pobreza, o sorriso é fácil e sincero.

Em todo canto galinhas de canelas secas. Pilhas infindáveis de telhas de barro antigas, provavelmente vindas de roça distante, aguardam anos a fio serventia outra vez. Vem não, ficam assim largadas sem nada a cobrir. Ali bamburramos, é por elas que começa sempre nosso trabalho, é lá que se encontram nossos escorpiões. Vingança das telhas pelo abandono? Criam, albergam e protegem escorpiões. Centenas.
Sol escaldante, as costas logo doem, o suor encharca rosto e roupa, tudo magicamente desaparece, some. Olhares apenas para o fazer, começa nossa caçada. Pé de vento, sombra e tento, do miúdo vermelho olho preto. As folhas dos bacuris fazem chover em céu sem nuvens, o barulho da chuva é eterno. Expedição ao Prata.

Ao fundo sempre brejo, os quintais seguem mata adentro, são infinitos. As acerolas intrusas decoram de vermelho os mandiocais, sempre carregadas, sem pragas a fazer frente, seguem em doce azeda fartura, ao lado tapetes rosados sob espinhentas paineiras parecem esperar procissão da paixão santa. Sento cansado à sombra de imensa ameixeira. Aqui tudo é superlativo. Retomo o fôlego. Fogo-apagou pia mansa. Bandos e mais bandos de tucanos, canários da terra, saíras de mil cores. Saracuras: os potes, sempre três. Magnólias floridas perfumam um Brasil colonial. Felizmente o tempo, aqui parou.

As casas construídas ao acaso, adobe, tijolo novo, telha comum. Madeira lavrada, outra roliça, bruta. Mistura do que se tem. Faz-se.

No escuro da casa devagar se acostuma a vista. Janelas sempre fechadas, a luz fica lá fora. Escuro sem tristeza. Quadros nas paredes irregulares enfeitam. Fotos retocadas à mão, molduras redondas. Os portais baixos obrigam reverência. Abaixa-se para transpô-los, sempre em respeitoso silêncio: - Dá licença?

O fogão de lenha sempre acesso - seus cheiros atiçam cedo a fome. Na varanda do fundo a água dos batedouros corre quintal afora. Os patos se fartam no lodo. O rego é ladeado de taiobas. Longa e pesada semana. Os escorpiões são muitos, centenas. Prática de uma vida.

Aqui se busca, se aprende os mistérios de tão antiga e bem-sucedida sobrevivência. Voltando, tentamos aplicar o que a terra aqui nos ensina calada. Expedição ao Prata. Parte viva de nosso trabalho. Adoro o que faço.

William Henrique Stutz
em abril de 2007

Um comentário:

Anônimo disse...

Opâ, William H. Stutz
Tudo bem?

'Desculpa postar aqui'

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