segunda-feira, dezembro 29

Mintaka, Alnilam e Alnitak

Mintaka, Alnilam e Alnitak, estes nomes cutucavam sua cabeça desde que tinha pegado trecho ainda de madrugada rumo ao vilarejo para providenciar registro das filhas trigêmeas que haviam nascido semana atrás.A mulher guardava resguardo cercada e vigiada de perto por duas parteiras imensas de gordas. Quarto sempre na penumbra, ainda não tinha botado os olhos de verdade nas meninas.

Quando foi permitido entrada breve, pousou olhar em tênue brilho e um monte de perninhas e bracinhos magrinhos, gravetos prontos a quebrar ao menor toque. Olhou com curiosidade de quem olha roça brotando. Um pequeno grunhido vindo do berço de bambu que ele mesmo fizera foi o bastante para que expulso fosse do guardo quase a vassouradas.

Passou noite em claro, sentado em banquinho junto à porta do quarto. Cada grito de sua mulher lhe parecia facada no peito. Sofreu em silêncio e solidário as dores do parto. Aba do chapéu ficou amassada de não tampar mais sol. Quanto, num repente, após longo silêncio que o deixou apreensivo e alerta, uma carona suada apareceu à porta e gritou: “São três!” Três o quê – quis perguntar, não deu tempo. Segundos depois, a mesma figura novamente anunciou “São três, homem, três meninas.”

Sentiu bambeza nas pernas, a botina dobrou de lado. Teve de encostar-se à parede de adobe para não cair. Me Pai, meu São Jorge, três de uma vez. A esposa estava grande mesmo, pés inchados, mal conseguia beirar o fogão. Cozinhava de lado de tão barriguda. Mas três!? Pensou, meio rindo na porquinha Piau que teve exatos três leitõezinhos.

Passado o baque, sabendo que tinha de buscar registro das meninas. Pediu e foi atendido pelas parteiras para ir à vila, pois o resguardo iria durar mês inteiro. Trinta dias naquele cômodo escuro, tomando canja e gemada para descer bastante leite e pior, sem lavar os cabelos. Pensou com desejo na esposa. A viu em sonhos lavando seus longos e negros cabelos que iam até a cintura na cachoeira do Salto, logo ali no quintal. Sentiu um arder por dentro. Arreou o cavalo e seguiu lento. No cartório, confusão. O tabelião não queria registrar com aqueles nomes. “Assim não tem jeito Seu José, é esquisito demais.”

Bateu pé, mentiu promessa, rude não implorou, mas entre dentes rosnou assim ia ser. Assim foi. Conhecida fama daquele homem franzino, chapéu apertado na cabeça, punhal de prata sempre na cinta, nas costas. Saiu de lá confuso, mas satisfeito. “Diacho, de onde me brotaram na ideia esses nomes pras meninas?”

Na volta mostrou os papéis.
– Ô Zé endoidou, que nomes são esses, tirou isso de onde? – Ele, coçando a cabeça sem resposta. Realmente não sabia, não tinha a mais longínqua lembrança de ter pelo menos ouvido estes nomes.
– Pode até ter papel com estes nomes estranhos, mas nós vamos chamá-las, viu Senhor José, – seu nome foi proferido com gravidade – nós vamos chamá-las e a vida toda de Maria das Graças, Maria Cristina e Maria Aparecida. Serão para sempre nossas três Marias, estamos entendidos?

Enquanto isso, em algum lugar bem no centro do Cinturão de Órion, um casal sorria feliz: as três Marias brilham novamente.






Publicado em Jornal Correio em 28/12/2014





domingo, dezembro 21

Ponto de vista






"Em terra de olho quem tem um cego, errei."
Placa do Barari - Praia de Santa Monica -ES

Colega de trabalho de longa data. Da convivência diária nasceu grande amizade. Inevitável, nosso grupo funciona assim. Sempre sobra tempo para prosa, seja no laboratório, no campo ou em confraternizações. Nestes momentos rola bom churrasco ou galinhada e, claro, cerveja gelada. Consequência? Laços de afinidades que se fortalecem, além do excelente, ponderado e rápido trabalho em atender gente. Saber acumulado em reduzir aflição de pessoas que nos procuram, por conta de um morcego, escorpião, aranha ou cobra.

O cara é uma enciclopédia viva no que diz respeito a futebol. Sabe tudo, assiste tudo. Desde campeonato do Terrão ao nacional das Filipinas ou torneio de peladas dos Montes Urais. Escalações, nome de técnicos, colocação na tabela, situação financeira dos clubes, quem entrou ou saiu. Até nome completo e ficha corrida dos juízes o cara domina. Possui dúvidas sobre futebol ou afins? Consulte o Divino, que tem resposta na ponta da língua.

Sua história de vida, como a de cada um de nós, daria livro. A dele em particular, com passagens hilárias. Nasceu na roça, na roça morou por muito tempo. Freqüentava a escola rural da região. Era traça de livros. Devorava todos que encontrava. A pequena biblioteca da escola ficou ainda menor para sua fome de leitura. Hábito este que carregou até há pouco tempo. Nos momentos em que trabalho não havia lá estava Divino agarrado a um livro. Não sei se continua assim, pois agora o vejo nas paradas fazendo palavras cruzadas. São muitas e muitas. O vocabulário adquirido nas leituras facilita.

Menino de roça, moleque que só, com seus irmãos aprontava todas. Ajudavam o pai na lavoura, mas na hora de brincar nada os impediam de subir em árvore de fruta, roubar galinha de vizinho, passar susto em estradeiro, pitar talo de chuchu, caçar passarinho e nadar no córrego. Vida normal e sadia de menino do campo.

Para ele o mundo era simples, belo e normal. Nada o incomodava. Certa feita, em meio a molecagens, um cisco pousou com força de pedra em um de seus olhos. Imediata escuridão. Tropeçando, caindo e, claro, apavorado, correu buscar socorro junto à mãe, que tomou aquilo por manha, preguiça de carpir roça. Como um cisco em um olho poderia cegar alguém? Larga de finura e toca volta a ajudar seus irmãos! Aos poucos, as lágrimas cuidaram de clarear as vistas. Vida seguiu dura, mas serena.

Meses depois do ocorrido, apareceu por aquelas bandas, na escola, médico à mando da Secretaria de Educação para avaliar criançada. Exame de vista fazia parte. Quando o doutor tampou um dos olhos de Divino, o pânico tomou conta da criança:
— Acode! Tô cego! Gritou apavorado. O médico assustado apurou exame. E não é de ver (ou não ver) que o menino tinha um olho cego de nascença e ninguém notara? Como tinha nascido assim, para ele o mundo era desse jeito mesmo, compensado pelo olho bom. Em casa chegaram a cutucar o globo ocular para confirmar o fato. Não deu outra era assim mesmo.

Em nada atrapalhou desenvolvimento, nem crescimento pessoal. Leva vida normal e, na verdade, enxerga mais com um olho do que muitos com dois. Vê longe.
Com o avançar da idade só um problema vem devagar chegando. Descobriu que está ficando míope. Sacanagem!







Publicado em Jornal Correio de 21/12/2014



domingo, dezembro 14

Bom de Morar







Em um domingo de novembro, o leitor João Vendramini publicou o seguinte comentário sobre as “melhores cidades para se viver”, conforme ranking BCI100, produzido pelo escritório britânico Delta Economics & Finance para a publicação “América Economia Brasil”, que avalia um conjunto de 77 atributos das cidades do país – publicado em 31 de outubro aqui em nosso CORREIO: “Moro em São Paulo e trabalho em São Caetano do Sul. Mauá em oitavo e Diadema em 15º lugares? Minha opinião: esse ranking é pífio e patético. Pobreza e violência não permitem que essas cidades possam ser qualificadas como “melhores cidades para se viver”. Sinto muito, mas eu não usaria esse ranking para nada.”

Não tem como não concordar com o senhor Vendramini. Só de imaginar a cidade de Santos em fins de semana onde falta até ar para se respirar como a campeã da lista, e Belo Horizonte com seu trânsito agarrado em terceiro, me ponho a imaginar se a turma que elaborou a pesquisa se arriscaria a morar em algumas das cidades que ali aparecem muito acima de Uberlândia, 19ª colocação.

Acho que a pergunta que temos de fazer para estes caras é: “O que vocês consideram qualidade de vida?” Como eles jamais vão me responder, resolvi elaborar a minha lista das 10 melhores cidades para se viver, de acordo com meu gosto particular. Adianto que não vou usar o manjado Índice de Desenvolvimento Humano Municipal no Brasil (IDHM) nem outro indicador oficial. Vou usar o recém-criado IGPW, ou seja, “Índice de Gosto Pessoal de William” que talvez, quem sabe, seja aprovado pela ONU algum dia. Não vou citar nossa cidade, pois posso parecer tendencioso. Uberlândia é hors concours.

À lista: Morro da Garça (MG), Mansidão (BA), Gameleira de Goiás (GO), Onça de Pitangui (MG), Campo Azul (MG), Vila Flor (RN), Harmonia (RS), Nova Esperança do Sul (RS), Peixe-Boi (PA) e Sossego (PB).Sabem, queridos amigos, o que estas cidades têm em comum? Além de nomes extremamente poéticos, belos e sonoros? Nenhuma delas tem mais do que 25 mil habitantes.

E o mais importante: em nenhuma delas foi registrado nem um homicídio nos últimos três anos segundo o “Mapa da Violência 2013 – Homicídios e Juventude no Brasil”, do Centro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos, que tem entre seus fundadores expoentes do naipe de Antônio Houaiss, Darcy Ribeiro, Jorge Werthein, Herbert José de Souza, Elizabeth Fox, Gabriel Cohn e Paulo Bonavides, para citar alguns. Bom de morar é onde se tem paz completa. Onde a porta do alpendre fica aberta dia e noite e todos se chamam pelo nome. É lugar assim que quero para mim, onde o belo vence a cobiça, onde o amor e as amizades valem mais do que o “ter”.

Onde podemos parar as vistas e olhar longe, felizes de poder viver nossos mais profundos sonhos. Descansar a cabeça no ombro da pessoa amada, ternura e paz sem ganância ou competição. Instituto algum, com suas metodologias complicadas, equações e planilhas vai saber escolher lugar verdadeiramente bom de viver. Emprestado de Caetano: “E é por isso que eu gosto lá de fora… Porque sei que a falsidade não vigora”.








Publicado Jornal Correio em 14/12/2014





sexta-feira, dezembro 12

40 anos de amizade - 40 years friendship

40 anos de amizade - 40 years  friendship

O tempo judia, estraga/melhora mas a alma de criança vive trancada dentro de cada um de nós. Força saída todo instante. Insistimos em mantê-la presa, tristonha de brilho e luz. Esses três ai nas fotos mostram o resultado de deixar esse lado de permitir moleque sempre solto, livre como passarinho, livre como vento, livre com poeira de estrela.

Quarenta anos, quarenta anos, de verdadeira amizade pura e verdadeira. Encontros poucos mas quando acontecem são intensos como explosões de uma super nova - hecatombe . Sempre presente a sensação que ontem foi que nos encontramos pela última vez. Cada um mora dentro do outro, em prova verdadeira de que amor fraternal existe.












segunda-feira, dezembro 8

Fim da picada




Final dos tempos. Leio matéria que aqui transcrevo pedacinho: “Motoristas de várias localidades venezuelanas reclamam de dificuldades para abastecer seus carros, apesar de a Venezuela ser um país produtor de petróleo e derivados.” Se em um dos maiores produtores de petróleo do mundo falta gasolina e diesel, imagina o que sobra para o resto do mundo.

Tudo bem, não é a primeira vez que campeões em alguma coisa sentem escassez na pele de algum produto; vejamos o Brasil, o país do futebol (sic). Faltou futebol geral na última copa – a pá de cal foi um 7 a 1 contra a Alemanha que por dó não quis humilhar mais país anfitrião.

Explicar ou reforço a utilização do tal sic que vemos por toda parte. Se até bem pouco tempo era empregado apenas para apontar algum erro de ortografia ou pontuação, hoje tornou-se um grande companheiro para expressar descontentamento e discordância total de alguma afirmação. Logo o sic lá do alto tem sua razão de ser, pois nossa seleção ocupa a ridícula sexta posição no ranking da FIFA, abaixo até da recentemente “freguesa” de carteirinha Colômbia. De “Los hermanos” não vou nem falar, além de Papa eles possuem e ostentam um glorioso segundo lugar na mesma tabela.

Não sou nenhum Camargo Neto quando se trata de futebol, mas como diz a cartomante, as cartas e os números não mentem jamais – outro sic aqui; manipular números para o bem ou para o mal é corriqueiro. Trapaça com algarismos sejam eles áureos, atômicos, quânticos, completos, primos ou nem parentes, existe desde quando surgiram há mais de 30.000 anos, e tome evolução tanto das formas de contar quanto das maracutaias. Hoje podemos contar com a simplicidade de dois, apenas dois números, o zero e o um. Com este mágico código binário pode-se surrupiar bilhões, falsear relatórios e até realizar o não feito.

Falta combustível na Venezuela, futebol no Brasil. A seguir tendência logo não teremos Coca-Cola nos Estados Unidos, cerveja na Alemanha, sushi no Japão. Pizza na Itália será vendida na clandestinidade, perfume na França só importado do Paraguai.

Se pararmos para escutar com atenção vamos perceber que o mundo passa por uma turbulência generalizada. Os motivos vários, quase sempre com a mão humana a atrapalhar. Talvez alguns disparos de energia cósmica estejam interferindo na ordem natural das coisas.

Agora temos um satélite por nome sugestivo de Rosetta que desovou o módulo Philae para se agarrar como carrapato ao cometa Churyumov-Gerasimenko, nome que lembra banda de rock, e que custou a “bagatela” de 1,4 bilhão de euros. Recursos desta monta, seriam suficientes para resolver a fome no planeta, descobrir a cura e/ou vacina contra Ebola, AIDS, malária, a cura do câncer, Alzheimer e tantos outros tormentos. Mas não. Toda essa grana foi literalmente para o espaço.

Fica a pergunta das perguntas para tão árduos tempos, o inferno astral da humanidade: Será que os escoceses, passarão a tomar whisky importado?
Pois é, tem dia que de noite é assim. Final dos tempos.





Publicado  Jornal Correio em 7 de dezembro 2015





segunda-feira, dezembro 1

Fado


Inspirado em entrevista ao Jornal Correio da 
Prof ª  Drª   Ana Maria Bonetti dias atrás.

Um belo dia, o mundo amanheceu um pouco mais silencioso. Não que os carros ou as indústrias tivessem suas máquinas desligadas, transformando as cidades em um longo e duradouro domingo à tarde. Era um silêncio diferente e notado por poucos. Os que lotavam pontos de ônibus para, em amarga tristeza, irem trabalhar, nada notaram de diferente. A rotina, a bovina passividade de sair de casa diariamente para se fazer o que não gosta, os impedia de atentar para assuntos que não fossem a complicada tarefa de sobreviver. Nas cidades maiores, onde os metrôs ziguezagueiam como imensas cobras cegas no subsolo, menos ainda. Tudo anormal como sempre. Desumana repetitiva jornada de vida. Vazio só.


Mas algo estava diferente e poucos sabiam do grande risco que corriam. Porém, o que importa? No campo, nas matas, nos cerrados, o constrangedor silêncio foi percebido de pronto. Faltava alguma coisa. Bichos e homens da lida campestre sentiram algo estranho, indefinido. O moço a carpir lavoura começou cedo. Mal o sol deu as caras encalorado, a atenção foi aguçada. Falta alguma coisa, mas o quê? Apoiado no cabo de guatambu da enxada punha reparo, observava. Muito estranho. Passarinho diferente não era, conhecia todos. Vento também não. Soprava manso e ainda fresco, secando a noite que se foi.
Continuou trabalho. Cisma danada que atormenta!

Hora da merenda, mulher chega com marmita. Trocaram olhares preocupados.
— Também está percebendo?
—Tô, respondeu olhando o chão arado.
— Me conta pelo amor de Nossa Senhora. Tá sentindo o quê?
— Um aperto no peito e na boca do estômago.
— Eu também.
— Mas tem coisa aí, que mais tá sentindo?
— Um vazio. Vazio no tempo, vazio no ar. Sei explicar não. Mas tô gostando não.

A mulher se foi e ele, sozinho novamente. Tomou rumo da mata perto da nascente do córrego. Encheu a cabaça de água fresca e descalçou as botinas. Enfiou os pés na água fresca e se pôs a olhar em volta. Tinha que ficar atento, pois ali tinha colmeia gigante da qual, vez ou outra, colhia boa lata de mel. Deu uma espiada para o lado dela. Só não caiu porque já estava sentado. Não havia abelha, uma sequer. Os favos pendiam em branca cera e as formigas carregavam afoitas as larvas ainda vivas.

As abelhas! Falta o zumbido das abelhas! Gritou a plenos pulmões. As abelhas tinham partido. Ninguém sabia para onde e nem o motivo. No jornal, deu que sumiram no mundo todo. Era o sinal de que, depois de tanto judiar da terra, chegara a hora de pagar pelo malfeito. Por séculos destruímos e arrancamos a fórceps tudo o que a terra podia nos dar. Cansada, resolveu parar. Era o fim do experimento Terra.

Tardezinha, casal lá na roça, abraçado, sentado em banco perto da represa, olhava entristecido o céu estrelado por demais. Havia milhões de estrelas a mais do que o normal e um caminho de poeira se desenhava partindo daqui para profundo canto do universo. Foi para lá que as abelhas foram. Viraram estrelas e deixaram belo e brilhante rastro de pólen, como presente de despedida. Foram-se em busca de paz. E o mundo, condenado, ficou bem mais triste.






Publicado Jornal Correio em 29/11/2014


Fado

domingo, novembro 23

Bicho da carneira

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Não tem coisa melhor nesse mundo do que viajar. Poder ser a trabalho ou a passeio, não importa. Quer dizer, importa um pouco sim. A passeio, de férias, o tempo é seu e você faz dele o que quiser. O relógio não fica ali te vigiando, sussurrando o tempo que passa beirando seus olhos e mostrando que os compromissos não serão cumpridos no horário. Férias é férias, nada melhor. A viagem a trabalho, apesar de apertada em fazeres também oferece momentos deliciosamente especiais, principalmente quando você se relaciona com gente de diferentes costumes e sotaques.

Recentemente, na colorida e quente Montes Claros. O pessoal que estávamos a treinar era principalmente da região norte/nordeste das nossas Gerais. Todos com histórias para contar e cantar. Final de tarde, hora de prosa e trocar casos, acontecidos ou não. No campo, durante trabalho também surgiam casos, maneira de amenizar o peso do sol chapado na cabeça e costas, de matar sede sem água, de enganar fome, transformar o aparentemente sofrido em alegre fazer.

Tarde dessas em meio a toras, telhas e entulho, cavando feito tatu em busca de escorpiões, um companheiro de labuta da pequena Pedra Azul – incrustada no vale do Jequitinhonha – se põe a contar história antiga do Vale. O contador no caso era um negro ébano. Três de mim, forte, fala alta. Como diz amigo dr. Thogo, de fazer poema com seu sorriso de puro marfim reluzente. Figuraça! Bom de ficar junto. Apesar do tamanho e ser vociferador, homem de muita paz, sereno. Casado com alemã, conta orgulhoso que seus filhos pequeninos falam fluente alemão com sotaque de mineiro. Seus olhos merejam ao lembrar que toda noite os dois o cobrem de beijos com despedida de boa noite:

— Gute nacht papa, träume von engeln.

De nome Luiz, de Pedra Azul, conta que há muito tempo atrás, certo moço resolveu arrear mula e sair em plena sexta santa. A mãe preocupada implorou que ele não fizessse isso, pois era pecado naquele dia sagrado. Desaforado, o moço esbravejou bufão dizendo que arreava a mula ou até ela, a própria mãe, se quisesse. De raiva assim fez, arreou a mãe e desfilou com ela pela cidade para horror de todos. A velhinha morreu de desgosto.

Não foi nada não. Passado pouco tempo o rapaz também morreu de repente e sua cova ou carneira foi coberta por fios de cabelos brancos que contam ser da mãe, que mesmo humilhada ali se pôs a proteger o filho. Contam também que toda sexta santa, um rapaz muito bonito ronda a cidade à noite. Entra em restaurantes e come por 40 homens e manda a conta para seus parentes, os Antunes.

Os antigos sabem que devem, naquela noite, colocar prato de comida à porta de casa para saciar a fome castigo imposto eternamente a esta atormentada alma. Claro, existem várias versões da mesma história e pelo que vi e ouvi cada um, em Pedra Azul, tem sua própria. Esta foi a que ouvi do novo amigo Luiz.

Então, viajar são várias dentro de uma. Avexe não. Pega a estrada, eterno aprendizado. Essa em particular vai para Murilo Antunes, amigo e grande compositor. E claro, eterno pato“ na sinuca, palavras de Chico Marcos (sem ressentimentos, Murilo).






Publicado Jornal Correio em 23/11/2014



terça-feira, novembro 18

Foto oficial

Foto oficial  do Curso de Capacitação de Manejo e Controle de Escorpiões em Porto Velho - Rondônia
Pena que muitos já haviam saído. Distâncias longas até um chegar em casa.

Clica na foto que amplia


segunda-feira, novembro 17

Montes Claros




Convocados pelo Ministério da Saúde, lá fomos nós mais uma vez ministrar curso de Manejo de Escorpiões para técnicos de toda Minas Gerais. Montes Claros foi escolhida como local para tal treinamento por registrar a triste estatística de maior concentração de acidentes humanos por esse bicho em Minas.

Ministrar tais cursos é sem dúvida uma das mais aprazíveis atividades de nosso trabalho. O repartir o pouco conhecimento que temos, sentir as necessidades de outras localidades, os desafios constantes. Podemos dizer, sem medo de errar, que nossa Uberlândia está muito à frente quando o assunto é escorpião.

Tivemos a honra de visitar quase todos estados do Brasil. Com técnicos tanto do próprio Ministério da Saúde quanto do Instituto Butantan formamos um grupo fantástico de se trabalhar, além dos laços fortes de amizade que se formaram durante todo este tempo que juntos estamos correndo mundo em missão mais do que gratificante, nasceu cumplicidade e metodologia de trabalho única, musical, sonora. Aliás, desta feita combinou e muito com a cidade que nos recebeu.

Montes Claros é assim. Respira-se musicalidade. O sotaque gostoso, sorrisos receptivos por todos os lados, em rapidez de fogo fátuo sente-se em casa. A cordialidade é a marca do povo de lá. Instalados em andar alto de hotel, sou informado que volta e meia a terra treme por lá, em situação como essa era bom não pegar elevador.

O aviso foi dado de maneira calma, sem intenção de criar nenhum pânico, foi dito naturalmente sem alarde. A última vez que aconteceu, que a terra irritada deu chacoalhadas de mau humor, o pessoal foi para rua dormir, criança, passarinho, cachorro, todos com seus colchões para praças e locais abertos.Sem alarde ou pânico para eles – ô meu Deus, se soubesse disso antes teria ficado era no térreo.

Cedinho, manhã já com calor de rachar mamona, acordo com coro de vozes infantis. Grupo escolar bem próximo ao hotel. Criançada perfilada. Primeiro cantaram Hino Nacional, depois algo que me pareceu hino de Minas, não sei se tem, para mim as músicas mais representativas de nosso Estado são Peixe vivo, a preferida de JK e “(…) quem te conhece não esquece jamais(…)” não sei se tem hino oficial. Se tiver me contem e cantem.

Além da musicalidade, da receptividade e simpatia, o povo e a cidade possuem outras marcas. Religiosidade em alta. Várias missas por dia tanto na Matriz quanto na Catedral. Povo rezador de primeira linha, como as gentes das regiões próximas, do Jequitinhonha, do Vale do Urucuia, de todo norte das Gerais.

Outra coisa que lá vi e que em andanças sem fim nunca tinha colocado reparo, foi o asfalto. Isso mesmo, asfalto. O de lá parece piso de alpendre bem cuidado, brilha lustroso. E não tinha aquele que me desse explicação plausível para assim ser. Não me dei por vencido, perguntei a muitos. Cada um com história mais estranha que a outra. Em comum apenas a constatação:

— É, todo mundo de fora pergunta desse asfalto.

Uns me disseram que era para o sol refletir por conta do calor.Não me convenceram. Vim embora sem saber o motivo de asfalto zelado e encerrado. Tanto a contar de lá, lendas, folclores, casos, o pequi, a carne de sol, mercado de cores e cheiros. Mas isso é outra história. Conto depois.






Publicado em Jornal Correio em  16 de novembro 2014



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sábado, novembro 8

Não tem como não ser!




A quarta-feira anoiteceu quente. As chuvas poucas, porém fortes, jogaram a umidade lá para o alto. Fez brotar um mormaço amazônico. Não havia lugar para ficar. Pensei em água, banho frio e longo, mas o rio não está para peixe. Gastar o precioso líquido é no mínimo antipatriótico.

Talvez fossem ondas de calor, andropausa? Testosterona em baixa? Sei lá se passamos por isso com o rigor da menopausa. Hora vou pesquisar. Tomei ducha ligeira e, como ninguém é de ferro, abri uma latinha de cerveja sorvida ao meio, em gole único. A lua, quase cheia, passeava entre nuvens finas mostrando total desinteresse pelas coisas terrenas, espectadora passiva da história, preocupada apenas com suas fases. Cantarolei para espantar tensão: “mente quem diz que a lua velha/ mente quem diz…”
Essa história de televisão marcar hora para programação de interesse geral é desaforo. O horário de verão é inimigo em momentos assim.

Fico a imaginar os milhares de trabalhadores, nos quais me incluo, que têm de se levantar cedo dia seguinte. Suados e alegres, apinhados em ônibus lotados até a tampa, num difícil voltar para casa, tentam cochilo breve e, novamente, levantar, abraçar a esposa, beijar os filhos, pegar rumo do batente, ainda que com olheiras, mas de alma lavada. Estatística existe sobre acidentes de trabalho no dia seguinte à festa?

Contudo, vale o sofrimento, vale ressaca de cansaço dia seguinte, valem olhos vermelhos de choro de alegria de orgulho.
Hoje estou rouco de tanto gritar, nem gargarejo com fava de sucupira vai curar a rouquidão. O grito mais uma vez não ficou parado na garganta. Vizinhos devem ter ficado de orelha em pé, pois, de modo geral, sou silencioso em minhas manifestações. Exagerei no jogo contra o Corinthians, em outra quarta-feira mágica de outubro. Repeti a dose na quarta (6). Carlos, Maicosuel, Dátolo e Luan, escreveram página especial no time mais querido de Minas Gerais. Todos mostraram garra de seleção brasileira de 70. Se Dunga, vê se pode, assistiu a este jogaço, escalaria nossa equipe alvinegra para representar o Brasil.

Os comentaristas e narradores, como de costume, torcendo de maneira subliminar contra time mineiro. Calamos a imprensa esportiva do eixo Rio-São Paulo. Calamos uma nação rubro-negra que em Minas aportou de salto alto, soberba pura.Duplo prazer incalculável sentimos. Ganhar de virada linda do Flamengo, ganhar do arrogante Luxemburgo, só não foi melhor porque o Cruzeiro, mesmo empatando suado com o Santos, se qualificou para ter a honra de jogar conosco.

Levantei empurrado por um despertador que toca o hino da Galoucura. Vesti a camisa oficial do Clube Atlético Mineiro e fui trabalhar. Estranho, não encontrei nenhum flamenguista pelas ruas. Mas muita gente baixou os olhos, talvez em reverência, talvez em pura vergonha, ao vislumbrar a guerreira camisa preta e branca.

Vicente Motta, este montesclarense rei das marchinhas nos brindou com uma joia, foi feliz e inspirado quando nos deu o hino mais bonito do mundo: “Nós somos do Clube Atlético Mineiro/Jogamos com muita raça e amor/Vibramos com alegria nas vitórias/ Clube Atlético Mineiro/ Galo Forte Vingador. (…) Lutar, Lutar, Lutar/ Com toda nossa raça pra vencer/ Clube Atlético Mineiro/ Uma vez até morrer!

Não tem como não ser Galo!








domingo, novembro 2

Vivência



Dor não tem nada a ver com amargura. Acho que tudo que acontece é feito pra gente aprender cada vez mais. É pra ensinar a gente a viver.” Adélia Prado

Perguntaram-me o porquê dessa mania de tanto falar de bicho e de amenidades viventes. Falo de gente também e não é pouco. Porém me dou mais com os bichos e suas graças e trejeitos. São mais equilibrados e nunca falsos.

Já alma humana é como lua, todas têm um lado escuro que nunca é mostrado. Uma banda mora na escuridão e encerra sentimentos mais loucos, frustrações, invejas, olhares turvos. Lá, guardadinhas, estão as maldades que todos negam carregar. Basta estímulo, ataque de ira, para que aflorem como correntes furiosas de mar aberto, pororoca avassaladora que a tudo consome.

Bicho tem disso não. Neste exato minuto, aqui no meu quintal, dedilho ao triste/alegre cantar de sabiá em choco. Soa amargura, tristeza. Não é não. É a alegria triste de ser feliz em soltura. O céu como limite, os filhotes no ninho. Canta para mostrar quinhão de território. Divisas invisíveis demarcam espaço, defendido a bicos e canto.

Bicho não melindra, não julga, não trai. Bicho retrata pureza. E não são apenas os belos que encantam. Os ditos feios, venenosos, perigosos também têm sua graça. Bicho não sai caçando gente para ferroar, bicho não faz malvadeza. Serpentes, escorpiões, morcegos, são tratados como criaturas das trevas, quando na verdade são apenas parte de um quebra-cabeça gigante onde cada ser vivente é parte. Tudo se encaixa, não existe acaso, nem coincidência. O grande desafio de quem quer viver em harmonia e paz é montar este jogo. Cada peça em seu lugar.

O sábio, o humilde, o de coração aberto, acha caminho mais fácil entre peças coloridas ou escuras. Monta ao longo da vida devagarzinho, sem pressa. Os de coração duro, os que jamais mostram malvadezas, se perdem em pouca paciência e, normalmente, abandonam as peças na poeira. Por inveja ou ciúme, desprezam o jogo. Montam um canto de vida e ali se deixam ficar afogados em poças pequenas de mesquinhez e ruindade. Não avançam, não cantam, não sorriem.

Exemplos de gente do bem existem aos montes, mas somem diante da torrente de lama das maldades. Olho de bicho percebe fácil. Sabe onde pousar e descansar corpo.

Dou-me com bichos, com as crianças e com os loucos mansos. Lucidez destes encanta. Perfume de dia nascer, melancolia de sol se pondo. Não preparam surpresas que não sejam as belezas de cada ir e vir. Todos diferentes, cambiantes, suaves, puros.
Falo de gente assim, de alma colorida. Não gasto tinta com iniquidades.

Consomem energia, descarrega vitalidade, desperdício de tempo. Estes dias, encerrou-se período importante no direito, mas triste em si mesmo. Energia negativa circulava por todos os lados, não poupando nem bicho nem gente. Ofensas e brigas pairam ainda em denso espaço. Muita água de cheiro, defumador e acender de velas, para livrar o espaço de tanta deterioração ambiento/mental. Almas conspurcadas, sandice por poder. Este, o cantinho mal construído, pedacinho do quebra-cabeça da vida. Assim, em reza, peço: Livrai-nos de todo mala men! Saravá!







Publicado Jornal Correio em 2 de novembro 2014




https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhSnVWOGcweFI3aXM/view?usp=sharing

domingo, outubro 26

Sifão




Domingão. Sol quente, céu limpo. Barulhada de passarada não deixa ficar muito tempo na cama. Cada um querendo mostrar seu canto, seu pio, seu grito, mais alto do que o outro. Tamanha algazarra que das duas uma: ou infensa ou provoca risos. Prefiro o sorriso da manhã.
Corro coar café. O cheirinho toma conta da casa. Abrindo a janela, respiro ar frio, sensação boa.

Rumando para o quintal, abro torneira do tanque, pressão forte, direto da rua. Gosto de lavar o rosto ali. Baixo a cabeça e deixo água correr solta na nuca, nos cabelos. Levanto de uma vez e, sem camisa, deixo a água escorrer fria pelas costas. Sinto-me na roça, beirando bica d’água. Desta vez senti molhar os pés descalços. Estranho. Mirei tanque por baixo. Nada errado à primeira vista. Abro a torneira e torno baixar. Lá está a causa da ducha entre dedos. Um trincado no sifão. Água corre lisa sobre piso e, em sinuoso micro rio, derrama não no mar, mas em verde grama.

Pronto. Assunto para resolver logo cedo. Faço o que tenho a fazer e rumo para imensa loja que de tudo vende. Mercearia agigantada.
Levo a peça machucada para não errar compra. Simpáticas vendedoras nos sorriem. Isca para bom negócio. Sonham comissões. Não, são educadas por natureza e treinamento. Encantam. Os estímulos multicoloridos perturbam e distraem. Entre labirinto de tapetes, são milhões em formatos e texturas, estão pias e vasos com formatos que vão do clássico ao surreal. Formigueiro de gente comprando. É a única que abre domingo. Passo por corredor de espelhos. Vejo-me mil vezes, em distorções e movimentos engraçados. Uma moça arruma os cabelos em um deles. Caraminholo. Por que entre tantos, escolheu justo aquele para se mirar?

Depois de algumas voltas encontro o que busco. Vejo medidas com cuidado, sou mestre em confundir 3/5 com meia, não gostaria de ter que voltar hoje ainda. Vendedor me explica que, de acordo com as polegadas do cano, posso cortar com segueta até chegar ao tamanho ideal. Pronto! Não tinha segueta, toco procurar seção de ferramentas. Claro, encontro. Todos os tipos, formatos de arcos, tamanhos e preços. Opto por uma miudinha, coisa de poucos reais.

Pego caminho da porta e ao ziguezaguear dos caixas, saio, não sem antes ceder aos encantos de prosa de vendedora e, ainda, comprar, além de sacola ecológica, um potinho de fragrância de bambu com palitinhos como dispersor. A capilaridade é minha aliada no perfumar.

Fila do caixa. Moça à minha frente se põe a admirar plantas em vasos. Percebo tremer de mão mineira. Ver com as mãos. Segundos difíceis para ela. Em impulso tocou e acariciou a flor. É de verdade! Exclamação quase infantil. Tão bonita, mas tão bonita que até parece de plástico, me disse baixinho. Ser de verdade em loja repleta de sintéticos é crime. Compartilhei feliz admiração dela.
Lembrei de meus passarinhos livres e canoros. Já pensou se tivesse que ouvir tantos cantos em disco ou relógios que os imitam de hora em hora? Vazio de natureza. Voltei correndo para casa, tudo por um sifão.






Publicado Jornal Correio em 26/10/2014 ( Dia do segundo turno de eleições para Presidente )



Sifão

domingo, outubro 19

Falar mal do governo !



Sensação menor bate no peito e alma. Tudo que se ouve sobre governos durante período eleitoral é gente falando mal uns dos outros. Todos partidos e políticos que ali, pelo menos a maioria deles já esteve no poder e de alguma maneira nos governaram, ou legislaram. Bem ou mal nós os colocamos lá. Nós demos voz e vez e voto para cada um deles. Agora, o que assistimos é torrente de acusações, tiroteio de todos os lados. Lembra-me e aposto que todos vocês também passaram por algo assim, os tempos de colégio. Tão comuns as briguinhas na saída. Os motivos podiam ser os mais variados, mas asseguro nada que realmente tivesse importância.

Ciúme da menina mais bonita da sala, geralmente loira de cabelos cacheados e olhos azuis, estereótipo enfiado na cabeça da molecada por padrões nada nossos. Bom lembrar que as meninas sempre estimulavam as disputas, ego em formação, reflexo de educação recebida ou resquício da evolução da espécie.

Curiosamente uma das poucas espécies em que macho é mais “feio” do que fêmea é a nossa, humana. A natureza em seu aperfeiçoamento dos bichos, foi dotando ao longo de milhares de anos os machos com cores deslumbrantes, cantos belíssimos, porte e força física, sempre com objetivos de preservar a espécie premiando o mais belo, o mais canoro e o mais forte com o maior número de parceiras e a garantia de perpetuar sua genética.

No mundo animal o macho escolhe parceira, via de regra. Nas gentes é certo que elas detêm o poder de escolher seus parceiros, quase sempre. Isso porque ainda resistem culturas mundo afora onde mulher é vista como um nada. Mas estas são distorções criadas pelos humanos.Em condições normais de pressão e temperatura, meu amigo, mandam as mulheres e não tem papo.

Outro dia vi/ouvi um candidato com pretensões de se eleger presidente, descarregar um monte de besteiras tão, tão… bestas, que quase não acreditei no que ouvia. Declarações homofóbicas em seu mais alto grau. Afronta não apenas pessoas por suas escolhas legitimadas primeiro pelo amor, mas também por lei. Outro dia ouvi algo interessante que diz tudo, me perdoem, mas desconheço autoria, é algo assim: “Não aprova o casamento gay? Não se case com um gay. Não gosta de cigarro? Não fume. Não gosta de tatuagem? Não faça. As coisas seriam tão simples se cada um cuidasse da própria vida e respeitassem o querer alheio.”

Viva e deixe viver. Não gosta? Mas respeite. Voltando na baixaria política do período eleitoral me veio à cabeça, mais uma vez, charge extratemporal do genial de Henfil. Uma tira da Graúna onde, revoltada com tanta corrupção, desvio de verbas, descaso com o povo e para piorar, os constantes sumiços na época, dos famosos caminhões-pipa, indispensáveis para a sobrevivência do povo da caatinga, definhando em seca e pó, brada irritadíssima: “Hoje eu estou macha! Vou meter o pau no governo!” (E olha que estávamos nos mais duros dos anos de chumbo quando esta tirinha saiu.) Outro personagem da tira, o Bode Francisco Orelana, olha de soslaio para a Graúna e retruca irônico: “Se tu está macha de verdade defende o governo…”








https://drive.google.com/file/d/0B3a7BJIdLwOhZTdvdmppTW5DWjg/view?usp=sharing







Publicado Jornal Correio em 19 de outubro de 2014

quarta-feira, outubro 15

Eleição



 Domingo passado teve eleições. Independentemente do resultado fica claro que o nosso país passa por um período histórico no que diz respeito à democracia. Acredito eu que seja o mais longo sem golpes ou falcatruas explícitas contra o estado de direito. Delitos e saques aos montes continuam como desde o tempo de Cabral. Nesse quesito, para nossa decepção, “fica tudo como dantes no castelo de Abrantes”.

Não me dou de política falar. Mas não me pensem algum alienado, um distraído cívico. Pelo contrário. Reflito, penso tempo todo e me preocupo com ela de fato. Não vendo voto, não barganho em troca de nada e, o mais importante, conheço bem meus candidatos. Deixo o escrever sobre, para os especialistas, sou simples observador atento.

Sobre o que se passou nos dias que precederam pleito, afetou todas as cidades do país. Absurdos visuais e auditivos extrapolaram o bom senso.
A Justiça Eleitoral criou regras rígidas que diminuíram sobremaneira a sujeira dos ilustres candidatos. Em termos. Os famigerados cavaletes esconderam praças e canteiros floridos, cobriram grama sofrida e castigada por seca prolongada impedindo tenros brotos de mostrarem vida. Transformaram em exposição de péssimo gosto de rostos maquiados e trabalhados a photoshop de gosto duvidoso, ruas e avenidas inteiras. Parece que esses senhores e senhoras descobriram a cobiçada fonte da juventude. Ficam mais novos a cada eleição. Frases de efeito sem efeito nenhum acompanham sorridentes falas fáceis como a dizer:
— Olhem pra mim! Olhem pra mim!

Particularmente acho pouquíssimo provável que alguém em sã consciência escolha em quem votar olhando aqueles cavaletes ridículos.

A história de serem retirados depois das 22 horas é outra incógnita, mais difícil de decifrar do que o enigma da esfinge de Édipo Rei de Sófocles, “Decifra-me ou devoro-te”. Fomos, todos, engolidos em bocada de sucuri beira-rio. Após as 22 horas aquelas peças de péssimo gosto que ficassem ao relento, pouco mais importam à população, pois se de dia só são notadas para maldizê-las, à noite ficam sem plateia. Obstruíram visão de esquinas em horários de pico; à noite, entre o crepúsculo vespertino e o matutino não seriam mais nocivos do que à luz do dia enfrentando a beleza de manhãs, a indignação dos pássaros e das gentes.

Outra coisa boa. Acabou o horário eleitoral gratuito. Claro que tem que ser gratuito! Já pensou o cara ligando para uma operadora de televisão e contratando um pay per view de horário eleitoral:
— Gostaria de comprar os horários eleitorais completos de Minas Gerais, São Paulo e Rio de janeiro. Se tiver desconto pode incluir Bahia e Rio Grande do Sul.

Bom, quando falo que acabou o horário eleitoral , tenho que me lembrar do segundo turno.
Bom, este sim é mais democrático e esclarecedor (será?). Pelo menos o tempo dos que pleiteiam o trono da Alvorada é igual. Os debates tornam-se mais objetivos, cessam as agressões, passa-se às ideias, acho.

Pois com está, só buscando no poeta de Alegrete, o genial Mário Quintana, uma definição para tamanho furdunço: "(...) o excesso de gente impede de ver as pessoas...!”







Publicado Jornal Correio em 12/10/2014