sexta-feira, março 24

Lendas Urbanas



As lendas urbanas, como diz o ditado capixaba, são como as formigas e os puxa-sacos não precisam ser plantados, já nascem.

São meio lamarquianas, coisa de geração espontânea. Diferentemente dos folclóricos e na maioria das vezes surreais “causos”, como a história da jibóia que mamava em uma mulher e colocava a ponta do rabo na boca da criança para que ela não chorasse. A pobre criança,contam, estava à beira da morte, definhando de fome. Pessoas nos juraram que chegaram a ver a tal cobra em ação e com certeza algum leitor vai reafirmar que esta história é verídica pois um tio do primo, neto do avô do vizinho, que era uma pessoa íntegra, incapaz de uma mentira também presenciou o ocorrido. Já as lendas urbanas primam pela boa narrativa e pelo conteúdo: pessoas, locais e endereços supostamente reais são citados com tal riqueza de detalhes que sempre deixam uma pequena ponta de dúvida. Claro, existem aquelas que tão esdrúxulas ficam mais próximas dos “causos”, como a do homem cirurgicamente suturado, encontrado vivo, anestesiado, dentro de uma banheira de gelo em um motel depois de ter seus rins retirados.

Volta e meia rola uma “história verdadeira” pela internet, raro aquele que não recebeu uma. Ou foi uma serpente que matou uma criança num parquinho, ou um escorpião que ferroou e matou uma jovem num bar, ou ainda a surreal história de uma pessoa que tornou-se soropositiva para HIV depois de espetar pé numa agulha contaminada propositalmente colocada numa sala de cinema. Gevilacio Aguiar Coelho de Moura em “As lendas urbanas, as lendas da Internet e as pulhas virtuais” nos relata com muita propriedade: “Com a Internet, os rumores, boatos, lendas e assemelhados ganharam uma extraordinária força de reprodução. O que antes era divulgado boca-a-boca e através de cartas ou fax agora ganhou um veículo muito mais eficiente. Uma mentira, uma lenda, uma falsa notícia pode ser enviada ou reenviada a uma enorme quantidade de pessoas com uns poucos comandos ou com o pressionar de umas poucas teclas.”

Vivemos num mundo conturbado, onde a descrença nos atormenta constantemente e a esperança de dias melhores fica às vezes distante, praticamente inatingível. Infelizmente pessoas de gosto duvidoso se aproveitam destas fraquezas e usam do anonimato para infernizar ainda mais a nossa vida com “relatos que, às vezes, trazem um viés (!) de verdade, um aspecto que as tornam plausíveis ou verossímeis e que chegam a perturbar um espírito mais crédulo, um bom samaritano virtual.” Fazendo minhas as palavras do já citado Gevilacio Aguiar.

Portanto, temos que ter espírito aberto, desprendimento e senso do ridículo ao ler e principalmente repassar informações de conteúdo duvidoso para não contribuir ainda mais com a propagação destes absurdos, que além de satisfazer muito às mentes doentias que as criam, trazem sempre um pouquinho mais de insegurança e desesperança para quem as recebe.

Quanto ao perfil dos criadores e propagadores destas lendas urbanas, fica aqui uma sugestão para psicólogos e outros profissionais estudiosos do comportamento humano: que prato cheio para uma tese de doutorado!

Nenhum comentário: